Quero começar esse
texto falando da vida que diz sim e da vida que diz não.
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Nivaldo Vasconcelos registra a leitura desse texto que se refaz a cada encontro na Sala de Ensaio . |
Fazem dois anos
que não vivêncio uma temporada com espetáculo de teatro. Minha última
experiência com sala de ensaio se deu nesse primeiro semestre de 2014 com a
disciplina de Montagem Cênica. Dediquei grande parte desses dois anos a
apreciação (porque amo ir ao teatro) e tive a oportunidade de assistir
produções nacionais e internacionais.
Em maio de 2013
estive no Festival Internacional de Teatro de Rua em Santa Maria da Feira em
Portugal. Foram dias de uma vivência teatral intensa com espetáculos dos mais
diversos países. Vivi dias que me senti imensamente feliz com a
experiência de acordar para assistir teatro, comer vendo teatro,
dormir pelo cansaço sabendo que ainda assim haveria teatro em algum ponto da cidade.
Estar fora de casa
nesses seis meses de experiência de intercâmbio me ajudou a me perder e nesse
caminho todo me encontrar. Confesso que o “se encontrar” tem sido a parte mais
difícil, mas o se perder me ajudou a entender muitas coisas quando voltei para
casa.
Voltar para casa
me possibilitou receber muitos “nãos”. Sabe aquela pessoa que volta tão cheio
de coisas para contar e compartilhar e que precisar gritar? Pois bem! Estava
assim. Difícil foi entender que os outros estavam em outro momento e que o que
me interessava não necessariamente interessava as outras pessoas, mas ninguém é obrigado a comprar nossas vontades, nós somos fazedores
das nossas escolhas e entender isso me ajudou a prosseguir nessa estrada da
vida, sendo volante da minha história.
O "não"
foi difícil, mas me fez se aproximar do que realmente almejo para a vida. O primeiro ponto que
me fez entender esse caminho que a vida vai tomando foi perceber que realmente
quero viver teatro, poder fazer teatro a vida toda, pois foi a ele que dediquei
meus últimos dez anos de vida. Poucos anos, pouca experiência, mas muita
vontade de viver para sempre nesse universo.
Um dia desses
encontrei com um amigo e ele me disse:
- Bruno estou
dedicando tempo para fazer o que gosto. Estou vivendo uma faze egoista e estou
gostando.
Entendi o que ele
dizia, quando falava em fase egoísta, porque não era necessariamente uma fase
de não se preocupar com os outros, mas uma fase de também se preocupar consigo,
de tentar se ouvir mais e se fazer feliz.
Desde que voltei
tinha uma vontade no meu coração: a de investigar, treinar, descobrir caminhos
e fazer as coisas acontecerem, não queria mais ser um ator que fazia o que
alguém dizia que deveria fazer, queria (quero) agora ser um “ator compositor”
aquele que entende o que está fazendo, que é criador de seu processo, que
colabora, que encontra respostas, que sabe o que está fazendo.
Mas por onde
começar?
Ler foi a primeira
tarefa. Selecionar leituras, relembrar e organizar exercícios aprendidos em
oficinas ao longo da vida, fazer novas oficinas, entender o processo de criação
de outros grupos, buscar a disciplina. Disciplina foi a palavra de ordem. Ter
dias e horários na semana dedicados ao trabalho de treinamento de ator, mesmo
que este fosse sozinho acompanhado do olhar da lente de uma câmera que tudo
guardava para que eu pudesse assistir depois.
Comecei treinando
sozinho. O treinamento é um fator muito importante e determinante para o ator.
Fazia regularmente os exercícios, depois vinham as aulas de Teatro
Licenciatura, inclusive a disciplina de Montagem Cênica, mostrando novas
direções e em seguida entrei no Projeto Claricena, onde nos encontramos
semanalmente para treinamento e descobertas para uma montagem futura.
Depois de receber
“nãos” ao longo dos dias resolvi silenciar e dedicar esses dias de “chuva e
não” ao treinamento e a observação dos sinais que a vida tem.
Caminhar por
Maceió sempre foi uma tarefa que me permitiu observar a vida e o fluxo cotidiano.
Sempre, desde que vim morar aqui, ver aquelas enormes carroças com homens
puxando e cheia de material de reciclagem me despertava um sentimento de
alegria. Confesso que a carroça era a coisa que mais me chamava atenção na
cidade. Parece maluco achar uma carroça cheia de “lixo” a coisa mais bela de um
lugar cheio de praias, mas para mim sim, era a carroça o oposto da vida na
capital.
Vivi toda a minha
vida em cidades pequenas, no interior do estado e lá é mais comum encontrar
carroças pela rua, geralmente puxadas por animais como burro e cavalo, porém
aqui o mais comum é encontrar homens e mulheres puxando carroças como forma de
sobreviver e desacelerar essa cidade cheia de carros, pressa, shoppings e
praias tão belas. E eu que venho de um lugar que não tem mar nem shopping
center, “eu que não sei nada do mar” prefiro as carroças. Para mim era um susto
imenso encontrar vida através desse símbolo caminhando por ruas onde é preciso
ser metade gente e metade coisa para sobreviver.
É que para mim, enquanto
ator, ver aquela carroça como um elemento cênico é também uma possibilidade de
vê-la como uma extensão do corpo do ator- atuador. Como cidadão ver aquela
carroça na rua é uma possibilidade de ver que no meio de toda essa correria da
capital existe gente preocupada em viver, sobreviver e faz da preservação
ambiental a sua forma de sustentabilidade e ai de nós se não fossem esses
carroceiros, ai de nós se não tivessem esses que trabalham com a reciclagem da
enorme quantidade de “lixo” produzido todo dia. E o lixo vem entre aspas por
que eu fico questionando o que seria lixo, pois tanta coisa pode ser
reaproveitada que lixo mesmo está na forma de olhar para as coisas. Aqui não
vou falar (ainda) sobre as condições de trabalho, sobre as politicas publicas
para essas famílias, quero que a experiência artística seja todo o discurso e
poesia que resignifique esse objeto. Sei que é o trabalho que fazem é duro,
honesto e lindo nessa nossa cidade e falo nossa cidade, porque quando vejo um
carroceiro me identifico, me ligo a esse lugar. Essas carroças me fazem mais
perto de Maceió, quando as vejo, quando as questiono me sinto realmente morando
aqui.
Conversei com
muitos desses senhores ao longo dessa pesquisa. Visitei os locais que fazem
entrega do material, segui com o olhar seus passos pela rua, ouvi suas
histórias de luta, conheci suas vidas, seus sonhos e o reconhecimento que tem
sobre a preservação do meio ambiente. Conheci seu Milton, seu Manoel, seu
Antonio, foram tantos homens muitas vezes calados, tantas vezes invisíveis, mas
quando solicitados abertos a conversar tranquilamente.
Sabia que a
carroça era o ponto de partida para a história que está nascendo. Sabia também
que a inquietação inicial era essa coisa do pertencimento a um lugar, do estar
num movimento que vai de encontro ao movimento da vida do próprio lugar.
Entendi que não seria a história de um carroceiro, mas de todos nós enquanto
seres humanos que carregam uma “carroça” invisível por todos os lugares que
vamos. Esse espetáculo é essa busca pela felicidade que se reflete nessa nossa
ida ao encontro do que acreditamos ser nosso.
Essa carroça fica
cada dia mais clara na minha cabeça como a alma cheia de história que temos,
cheia de desejos, medos, decepções e sonhos que acumulamos e guardamos e
perdemos ao longo do caminho. Era a minha carroça na estrada da vida, é a
carroça do espectador que também carrega tantas histórias consigo, é a carroça
dos queridos “Volantes” Nivaldo, Elton e Felipe e outrxs que
delicadamente ajudam a seguir.
Sigamos!