O amor da cidade forjado do corpo; o amor da cidade que o corpo não sustenta. As demandas da cidade.
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Fotografia de Nivaldo Vasconcelos |
Minha
aproximação de atividades teatrais foi uma tentativa de melhor responder à
cidade – ter um corpo mais preparado para o que está além dos hábitos
cotidianos em que somos engolfados.
- A
ideia de um “espetáculo de rua” – assim eu sempre identificava o “Incelença” quando
relatava aos amigos minha atividade com reuniões nas quartas à tarde; mais do
que isso,
- A
ideia de uma construção para a rua e pela rua, como eu sempre imaginei essa
produção;
Era
uma forma muito apropriada de exercitar a tal preparação do corpo.
A
construção coletiva mostrou-se muito mais adequada a minhas ambições do que eu
podia esperar:
- As
atividades propostas, da descoberta dos enredos que nossos corpos já queriam
contar, de formas para abarcar o enredo que descobríamos nas discussões, nas
propostas cumulativamente exercitadas;
- Sobretudo
a abertura ou boa vontade com que os ânimos e intenções se alinhavam;
Já eram
grande feito para todos os participantes, quando... Veio a crise descrita em
outro momento deste diário. E, mediante certa apreensão, mais abertura ainda
encontramos, mais disposição para ousar.
Entretanto, em seguida, uma acomodação de cena e espaço me fez finalmente pensar em encerrar minha participação. Não haveria mais
correspondência para minhas ideias naquilo que se prenunciava, no ímpeto por
concluir a obra, ter o que apresentar.
Enquanto
eu ensaiava os últimos passos, chegou-nos a última versão do roteiro,
totalmente influenciada pela definição do espaço, mais recente etapa da
investigação. O primeiro roteiro que me cativou; finalmente um roteiro maduro.
E,
quanto a mim, foi exatamente cativação: não se trata mais de eu ainda querer investigar,
construir uma mensagem, mas, principalmente, de querer engajar meu corpo numa experiência
estética muito digna!
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Fotografia de Nivaldo Vasconcelos |
Independente
de responder à cidade, o corpo responde a si mesmo, nesse esforço de “intencionalidade
sem intento[i]”. Por mais que nunca deixe
de haver um intento de nossa parte. Eu não abriria discussão sobre estética muito
voluntariamente, mas posso dizer que rendi-me a suspender intenções discursivas
diante da beleza que nosso roteiro me permite hoje imaginar.
Quanto
à resposta à cidade, não digo que a beleza salvará o mundo, mas...
A
resposta ao corpo é um começo indispensável a quem queira fazer história.
Thiago Fernandes de Amorim
[i] Para
Kant, intencionalidade sem intento (intencionalidade formal) é a forma em que o
objeto aparece na representação estética. Seja qual for o objeto (coisa ou
flor, animal ou homem), é representado e julgado não em termos de sua
utilidade, não de acordo com algum intento ou propósito a que possa talvez
servir...”
(MARCUSE, p. 221)
REFERÊNCIA
MARCUSE, Herbert. Eros
e Civilização: uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Ed. 6. Rio
de Janeiro: Zahar, 1975.
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