Inicialmente
o elemento que despertava interesse ao processo era a carroça utilizada por
catadores para reciclagem na cidade de Maceió. Nesse meio havia também questões
da confusão, cidade grande, congestionamento, ritmo acelerado, pessoas
invisíveis, dentre outras. Ao conversar com Felipe de Alencar discutíamos sobre desigualdade e
condições de vida na capital alagoana.
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Encontrando caminhos... |
O primeiro
momento de busca textual era composto por poemas que tratavam do ser humano e
sua relação com a cidade, com a vida, com as idas e vindas e os encontros e
desencontros. Não havia uma ordem de texto, mas um arquivo com poemas de
Florbela Espanca, Mário Quintana, Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto,
Sophia de Mello Breyner e Manoel de Barros.
Passei a
observar e conversar com os senhores catadores de lixo e descobri que a carroça
ganhava um significado mais amplo e mais coletivo, porque é ela um elemento que
junta coisas, leva para outros lugares e é puxada por homens e mulheres.
Carroça para mim, durante o processo dramatúrgico, tornou-se um simbolo de alma
e passado. Coisas que todos carregamos, mesmo que abandonemos pelo caminho para esvaziar e pesar menos para seguir adiante.
Felipe de
Alencar me apresentou músicas, tocou para mim e me falava da poesia que queria
despertar no público. Falava de trazer questões sociais, mas também de levar a
poesia da vida que passa despercebida aos nossos olhos.
Logo após
essa primeira conversa ao som de músicas que despertavam sentimentos em Felipe
voltei para casa com a sonoridade ainda acesa dentro de mim. Comecei a escrever
questões até autobiográficas como alguém que trás a carroça cheia e precisa
esvaziar. Como alguém que precisa se entender nesse processo todo.
Surgiu a
segunda proposta de um texto dramatúrgico, desta vez com um personagem e a
citação dos poemas referências ao longo do texto ainda sem cenas e indicações. Os
textos que serviram de base para esse primeiro momento de esvaziamento foram
textos de Fernando Pessoa, Mário Quintana, José Saramago, Herman Hesse e João
Cabral de Melo Neto, além de músicas como “Estrela, Estrela” de Vitor Ramil que
foram trazidas por Felipe durante as conversas.
Marcamos uma
leitura e logo após a leitura Felipe de Alencar falou suas inquietações, acabou
achando o texto muito denso e triste e imaginava uma estética mais Armoreal com
personagem mais popular, esperto, confiante e com fé na vida. O “João Grilo” e
outros personagens de Ariano Suassuna eram fortes na memória de Felipe e do que
ele esperava para o espetáculo. Trouxe mais propostas sonoras e marcamos mais
uma leitura com a presença de Elton Nascimento.
A chegada de Elton Nascimento trouxe mais riqueza de ideias e vivências pessoais. Era o encontro de um estudante de teatro com dois estudantes de música que começava a trilhar caminhos cada vez mais inesperados.
Quando li a
primeira cena em nosso terceiro encontro, os músicos atuadores começaram a
compor uma música, pois decidiam que iriam apostar na música autoral como forma
de facilitar o processo de circulação do espetáculo no futuro. Ao ouvir a
primeira música composta para a primeira cena despertou uma sensação de
confusão interior, pois essa era uma música que tratava de esperança e felicidade, porém apresentava uma sonoridade
que se repetia e parecia nunca ter fim. Foi este o mote para a terceira
proposta do texto. Um personagem “Armoreal”, "Quixoteano", com essências da Commédia Dell ‘
Arte, que com sua carroça vive a busca de procurar a felicidade pelo mundo num
circulo que nunca tem fim, assim como a nossa busca cotidiana.
Severino foi
o nome escolhido para o nosso anti-herói, pois sua maior referência já vinha se
anunciando ao longo do surgimento do texto ao se ter “Morte e Vida Severina”
como leitura. No entanto, esse Severino é um alagoano, não muito diferente do
Severino de João Cabral, nem dos tantos Severinos existentes pelo Brasil. Carrega
como marca a esperança, a alegria e a inocência de quem inventou um mundo para
si.
Segundo Luis
Alberto de Abreu:
“O texto dramático não
existe a priori, vai sendo construído juntamente com a cena, requerendo,
com isso, a presença de um dramaturgo responsável, numa periodicidade a ser
definida pela equipe”
Em Volante tínhamos em comum o interesse pelo elemento da carroça de reciclagem. Eu,
enquanto ator-criador, me propus a direcionar a dramaturgia textual tentando
dialogar inquietações pessoais com inquietações coletivas e mesmo apresentando
uma proposta inicial de texto, este foi modificado em todos os encontros que
tivemos ao longo das últimas semanas. Ganhando assim, uma nova forma e um novo
direcionamento. Vale ressaltar que mesmo se modificando em cada encontro o
texto do espetáculo vai mantendo a mesma essência da inquietação inicial e hoje
no sexto encontro continua tratando da relação do ser humano com o espaço
físico e suas relações ao longo da vida. O interessante é que a essência
permanece e o que se modifica é o personagem e as cenas que vão surgindo ao
longo dos encontros e amarrando ainda mais o que é definido pela equipe.
Os
músicos-atuadores ao longo do processo estão cada vez mais próximos do
personagem e apresentam-se como personagens da história que guiam com sua
música Severino pelo mundo dos sonhos que ele criou para suportar a fome, o
frio e a indiferença.
Elton
Nascimento, nos nossos encontros no mês de junho, me propôs que pesquisássemos exercícios que
trabalhassem a questão da voz do ator na música. Fizemos nesse mesmo dia o
exercício de falar o texto de acordo com o ritmo da música, depois acompanhar
as pulsações da canção com movimentos no próprio corpo.
A música vem
ao longo do processo descobrindo seu espaço, sendo uma elemento que joga com o
ator. Esse exercício do ator jogar com a música e a música jogar com o ator tem
se mostrado evoluindo ao longo do processo, pois no nosso sexto encontro já
notavámos a necessidade de marcar o espaço, fluir a cena de acordo com a
musicalidade e a musicalidade fluir de acordo com a métrica do texto, quando
for o caso.
Vamos caminhando... Vamos escrevendo para entender o espetáculo, experienciando para sentir a nós mesmos e o mundo ao redor.
Bruno Alves
da Silva
(Escrito em 02 de julho de 2014.)
Referência
ABREU, Luis
Alberto de. Processo colaborativo : relato e reflexões sobre uma experiência de
criação. Cadernos da ELT, Santo André, v.1, n.0, p. 33-41, mar. 2003.