04 março 2015

Carta para Volante

Arte Gráfica: Estúdio Atroá

Atiro-me de olhos abertos nos braços de um sonho.
Haverá carroça que caiba todo o desejo que trago comigo?
Atiro-me e jogo para longe o medo e a insegurança de uma falha na hora de abrir o paraquedas. Não posso mais voltar. Saltei como águia que achou por muito tempo que era galinha, mas que lá dentro de si alguma coisa de águia existia, fosse a habilidade para o voo ou  fosse o não acostumar a ciscar num mesmo terreiro.
Ensaio de voo esse “Volante”.
Momento de me permitir acreditar nas escolhas que fiz ao longo desses últimos três anos, mas por que não dizer ao longo dessa vida?
Foram “dias de sim”, foram dias de “chuva e não” como nos títulos dos livros do poeta Sidney Wanderley.
“Habilidades de voo” é significado para “Volante” em dicionário da web. Então, eu fico pensando que cada pessoa deve ter dentro de si um desejo de liberdade, uma vontade de voar pra perto das coisas que as fazem felizes, deve ter um pouco de volante em cada um de nós quando saltamos em busca do desconhecido ou quando encontramos em nós “a força que nunca seca”.
“Que não tem residência fixa” me diz o web dicionário. Nessa vida habitei tantas casas, por tantos lugares fui habitado que uma vez numa ponte alguém havia riscado “Quantas cidades tenho em mim?”. Esse mover-se em busca de novas casas permite a gente ganhar tantas coisas, mas perder uma imensidão também, mas afinal nos diz Bishop que “a arte de perder não é difícil de dominar” (em tradução do Nivaldo). Como aceitar a perda? Como seguir se sentindo feliz por perder tanta coisa e imaginar que haverá lugares e pessoas que possivelmente nunca mais veremos? Como aceitar que o momento, o instante é único e que se perde logo quando acaba e que nunca irá se repetir do mesmo jeito, como aquele banho que nunca será no mesmo rio. Como perder um segundo de sorriso num dia cheio de lágrimas? Como perder e não achar viver uma tragédia?
Começo. Recomeço.  Reinvento. Digo sim de novo. Teimosia pelo sim. Sim mesmo no meio da fogueira. Sim mesmo no meio da cova dos leões. Sim, sim e sim! A vida pede “sim”!
Eu estou calado geralmente. Eu precisei me alimentar de silêncios para entender o silêncio e os barulhos de outros e os meus também, mas mesmo em silêncio é possível ter nos olhos um furacão e no peito um vulcão em erupção. Estou grávido. Estou parindo! Vou aguentar as dores do parto até o fim. Não sei dizer melhor se não for com teatro. Não sei ser melhor sem ele.
Atravesso o mar nesse tempo e quero continuar a viver um amor mesmo separado por milhas de sal. Perdoe a minha sede de querer beber do mar, mas é que de onde venho só tem serras, cachoeiras, rio e matas viçosas.
Experiência é correr risco, me ensinava o professor. Experiência é perigo! A difícil experiência de movimentar a vida dentro de si ao partir e ao chegar. Viajar sem sair do lugar em que as raízes estão. Experiência é travessia e para atravessar é preciso coragem de ir além do que esteve sempre perto, porque corremos riscos mesmo quando não experienciamos. Tempo de deixar as roupas velhas ou repagina-las. Chega tempo de botar a mão no Volante como faz meu Severino ou “Botar o barco pra frente” como me aconselha minha mãe de uma cidade do sertão alagoano que não tem rios, nem barcos.
Volante é salto, delírio, suspiro, coração acelerado, frio na barriga na montanha russa, é medo de bicho – papão, luta e guerrilha, batalha armada de peixeira na mão contra os moinhos de vento, moinhos de medo, moinhos de insegurança, moinhos que abalam a autoestima da gente.
Não posso mais voltar, porque “quem vai não volta nunca” me diz o andarilho. Fazer teatro é a minha possibilidade de viver e reviver memórias que me habitam e principalmente as memórias inventadas e entregá-las a quem quiser guardar, pois não se engane o poeta finge sim, senhor!
Não fala de mim esse texto, não fala de mim essa música, fala talvez um pouco de nós que somos um, nós somos uma legião espalhada pelo mundo, poeira do universo. Juntando novamente continentes, colhendo uvas para com os pés pisar e transformá-las em vinho amargo com gosto de terra, com gosto de vida.
É da água que essa peça quer falar, do fogo, do vento, da terra... Com os pés na terra esse homem caminha sobre as águas dos seus próprios medos.
Volante, volúvel ou mutável como nós deveríamos ser. Só quer ser feliz. Delírio de felicidade que alguns de nós perdemos pelo caminho.
Esse espetáculo é meu encontro com você. Nosso encontro no mundo. Experiência efêmera e eterna enquanto vivermos. Construção de castelo de memórias sem ninguém preso na torre. Porta do coração aberta, circulando com o vento por todos os lados, chovendo, encontrando a vida no ponto inicial que faz desse lugar o meio e melhor lugar do mundo, porque a gente continua a cada recomeço. Convido você a dividir comigo esse mundo em dois lados formados pelo passado e pelo futuro mais livre, mais leve...

Volante!
(Bruno Alves)

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