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Arte Gráfica: Estúdio Atroá |
Atiro-me de olhos abertos nos
braços de um sonho.
Haverá carroça que caiba todo o
desejo que trago comigo?
Atiro-me e jogo para longe o medo
e a insegurança de uma falha na hora de abrir o paraquedas. Não posso mais
voltar. Saltei como águia que achou por muito tempo que era galinha, mas que lá
dentro de si alguma coisa de águia existia, fosse a habilidade para o voo ou fosse o não acostumar a ciscar num mesmo
terreiro.
Ensaio de voo esse “Volante”.
Momento de me permitir acreditar
nas escolhas que fiz ao longo desses últimos três anos, mas por que não dizer
ao longo dessa vida?
Foram “dias de sim”, foram dias
de “chuva e não” como nos títulos dos livros do poeta Sidney Wanderley.
“Habilidades de voo” é
significado para “Volante” em dicionário da web. Então, eu fico pensando que
cada pessoa deve ter dentro de si um desejo de liberdade, uma vontade de voar
pra perto das coisas que as fazem felizes, deve ter um pouco de volante em cada
um de nós quando saltamos em busca do desconhecido ou quando encontramos em nós
“a força que nunca seca”.
“Que não tem residência fixa” me
diz o web dicionário. Nessa vida habitei tantas casas, por tantos lugares fui
habitado que uma vez numa ponte alguém havia riscado “Quantas cidades tenho em
mim?”. Esse mover-se em busca de novas casas permite a gente ganhar tantas
coisas, mas perder uma imensidão também, mas afinal nos diz Bishop que “a arte
de perder não é difícil de dominar” (em tradução do Nivaldo). Como aceitar a
perda? Como seguir se sentindo feliz por perder tanta coisa e imaginar que haverá
lugares e pessoas que possivelmente nunca mais veremos? Como aceitar que o
momento, o instante é único e que se perde logo quando acaba e que nunca irá
se repetir do mesmo jeito, como aquele banho que nunca será no mesmo rio. Como
perder um segundo de sorriso num dia cheio de lágrimas? Como perder e não achar
viver uma tragédia?
Começo. Recomeço. Reinvento. Digo sim de novo. Teimosia pelo
sim. Sim mesmo no meio da fogueira. Sim mesmo no meio da cova dos leões. Sim,
sim e sim! A vida pede “sim”!
Eu estou calado geralmente. Eu
precisei me alimentar de silêncios para entender o silêncio e os barulhos de
outros e os meus também, mas mesmo em silêncio é possível ter nos olhos um
furacão e no peito um vulcão em erupção. Estou grávido. Estou parindo! Vou
aguentar as dores do parto até o fim. Não sei dizer melhor se não for com
teatro. Não sei ser melhor sem ele.
Atravesso o mar nesse tempo e quero
continuar a viver um amor mesmo separado por milhas de sal. Perdoe a minha sede
de querer beber do mar, mas é que de onde venho só tem serras, cachoeiras, rio
e matas viçosas.
Experiência é correr risco, me
ensinava o professor. Experiência é perigo! A difícil experiência de movimentar
a vida dentro de si ao partir e ao chegar. Viajar sem sair do lugar em que as
raízes estão. Experiência é travessia e para atravessar é preciso coragem de ir
além do que esteve sempre perto, porque corremos riscos mesmo quando não experienciamos.
Tempo de deixar as roupas velhas ou repagina-las. Chega tempo de botar a mão no
Volante como faz meu Severino ou “Botar o barco pra frente” como me aconselha
minha mãe de uma cidade do sertão alagoano que não tem rios, nem barcos.
Volante é salto, delírio, suspiro,
coração acelerado, frio na barriga na montanha russa, é medo de bicho – papão,
luta e guerrilha, batalha armada de peixeira na mão contra os moinhos de vento,
moinhos de medo, moinhos de insegurança, moinhos que abalam a autoestima da
gente.
Não posso mais voltar, porque
“quem vai não volta nunca” me diz o andarilho. Fazer teatro é a minha
possibilidade de viver e reviver memórias que me habitam e principalmente as memórias
inventadas e entregá-las a quem quiser guardar, pois não se engane o poeta
finge sim, senhor!
Não fala de mim esse texto, não
fala de mim essa música, fala talvez um pouco de nós que somos um, nós somos
uma legião espalhada pelo mundo, poeira do universo. Juntando novamente
continentes, colhendo uvas para com os pés pisar e transformá-las em vinho
amargo com gosto de terra, com gosto de vida.
É da água que essa peça quer
falar, do fogo, do vento, da terra... Com os pés na terra esse homem caminha
sobre as águas dos seus próprios medos.
Volante, volúvel ou mutável como
nós deveríamos ser. Só quer ser feliz. Delírio de felicidade que alguns de nós
perdemos pelo caminho.
Esse espetáculo é meu encontro
com você. Nosso encontro no mundo. Experiência efêmera e eterna enquanto
vivermos. Construção de castelo de memórias sem ninguém preso na torre. Porta
do coração aberta, circulando com o vento por todos os lados, chovendo,
encontrando a vida no ponto inicial que faz desse lugar o meio e melhor lugar
do mundo, porque a gente continua a cada recomeço. Convido você a dividir
comigo esse mundo em dois lados formados pelo passado e pelo futuro mais livre,
mais leve...
Volante!
(Bruno Alves)
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