28 julho 2017

Prêmio Eris Maximiano: 7º Passo - Pontal da Barra


Não te apresses em enxergar a poesia nas coisas.



Adélia Prado diz que "As vezes Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo".

Andar observando e buscando um outro olhar sobre os caminhos é tarefa difícil. Principalmente quando a vida nos aborrece com uma gripezinha, por exemplo.

As histórias que busco nessa jornada de escolha de espaços na cidade para apresentar o espetáculo muitas vezes, e na maioria delas, aparecem quando eu menos as quero e espero. É como um vento que passa ligeiro e pronto. É aquela história.


Para chegar ao Pontal é preciso passar por debaixo do Arco-Íris


O intuito do projeto é conhecer as pessoas que fazem essa cidade, que ressignificam os seus lugares, que trabalham duro todos os dias, que vivem muitas vezes em condições desfavoráveis, mas estão lá de pé e de olhos atentos, porque "é preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte".



Não são entrevistas o que venho buscando. São olhares que revelam mais que mil palavras.

São movimentos. 

É o andar, o sorrir, o estar sério e de repente aparecer a nuance delicada de doçura brotando no rosto.

Artesanato e Pescaria são fontes de renda no Bairro

Eu busco me revelar nesse encontro, nessa peça de teatro, nesse caminho que escolhi. Quero a revelação do outro também, porque quando ela acontece existe o verdadeiro encontro, a verdadeira experiência. Eu quero a experiência.

Eu hoje me disse em pensamento:
Antes de falar escute primeiro o som das águas da Lagoa Mundaú. Escute como ela acaricia o barco que com ela dança delicadamente.


Não pergunte ao pescador de onde vem o peixe, ou como ele faz para pesca-lo. Aceite antes provar o peixe frito na boca.

Não conte quantas remadas ele deu para atravessar a lagoa. Aceite o ritmo e a força do abraço do remo dentro da água.

Não olhe a beleza dos bordados de filé e de renascença do Pontal imaginando como ficariam bem em seu vestuário ou na sua casa. Olhe o que está por trás do bordado. A linha mais fina que tece aquela beleza.




A linha mais escondida é a que sustenta e guarda os segredos mais simples da vida. Imagine a mão tecendo, a mão que foi ficando enrugada, a mão que esqueceu de pintar as unhas em algum momento, a mão que estava atenta a panela no fogo e as crianças brincando na rua. Imagine esse bordado vindo de dentro, do corpo, da alma. 

Não haverá preço no mundo que pague. 



Eu hoje parecia só enxergar a "pedra". Andei pelas ruas em silêncio. Hoje não senti vontade de conversar. Queria estar ali e ver a vida acontecendo. Haviam muitos turistas e eu queria ser invisível para poder enxergar melhor. Não queria ser turista. Queria ser alguém que resolver estar ali para viver aquele instante eterno.



Sentei na beira de um pequeno cais de onde saem os barcos para visitar as ilhas. Ali era o lugar que mais havia me tocado desde então. Havia silêncio e alguns pescadores ao longe conversando entre si. Perguntei de quem eram os barcos que estavam perto do cais. Um senhor me indicou a casa do dono e fui até lá.

Era "Seu Eduardo" que na hora abria a porta de casa irritado com alguma coisa da sua vida particular. Ele nem me viu e passou falando sozinho, reclamando em tom audível. Não tive coragem de pará-lo. Eu estava vendo ele humanizado, irritado, seguindo seu caminho. Ele não me viu.

Fui a Associação dos Pescadores e conversei com Maria sobre o espetáculo. Ela foi muito receptiva e me deu total apoio.

Bar e lanchonete


Sentei num bar que fica com uma balsa no meio da praça. Bebi um refrigerante e fiquei ali olhando e sem nenhum pesamento exato na cabeça. Estava olhando pra pedra e vendo a pedra.Isso me deixa furioso,mas eu precisava entender que as coisas acontecem e que eu não controlo a vida.



Um senhor se aproximou de mim e me trouxe um bolinho de peixe para que eu provasse. Fiquei surpreso. Provei. Agradeci e ele me disse:
"Seja bem vindo!".

Não foi diferente dos momentos seguintes. As pessoas sorriam. Falavam comigo e me explicavam onde pegar ônibus, por exemplo, com muita paciência e prestatividade.

"Nosso Pontal"

Sentei para escrever perto dos barcos de "seu Eduardo". Já estava pronto para guardar o caderno e ir embora, quando ele apareceu.

"Fique a vontade" - me dizia.

Na mesma hora eu falei:
"Quero apresentar um espetáculo aqui".

Ele me olhou e perguntou do que se tratava.

"É interessante. Venha mesmo. Se quiser lhe empresto o barco e no final damos uma volta com todo mundo".

Fiquei sem palavras e agradeci a generosidade. Ele pegou o barco e seguiu pela lagoa. Foi seguindo até eu não mais alcança-lo na vista. Eu via "seu Eduardo" com mãos cheias de histórias e rugas que me diziam tanto sobre ele sem que ele precisasse me falar nada.

Seu Eduardo seguindo

Pegou seu barco e saiu. Uma cena bonita. Ver aquela intimidade com a água, ver como eles dançavam juntos e se entendiam. A água trazia calma para seu Eduardo e para mim também.

Conheci dois "Eduardos" em questão de minutos, o inquieto e o cheio de doçura, porque a pedra nem sempre é pedra. É poesia.

O Circo Horizonte está na comunidade


Voltei aliviado por encontrar um lugar vivo e cheio de beleza.Um lugar que trânsita entre  o constante fluxo turístico e a beleza das pessoas que se revelam a cada olhar e sorriso.

Redes confeccionadas pelos pescadores

Já morei em um lugar onde passavam muitos turistas e os moradores tinham resistência em se abrir para quem estava de passagem. Lá no Pontal a presença de turistas é fonte de renda através dos pescados e dos bordados, mas também é singeleza revelada no cotidiano repleto de gente nas calçadas proseando, tomando cerveja, vendo o pôr do sol. 





O pôr do sol do Pontal se derramando na Lagoa Mundaú é uma das coisas mais lindas que já tive a oportunidade de vivenciar.

Voltamos em breve, Pontal! Você é lindo!

Bruno Alves

Esse projeto foi aprovado com o Prêmio Eris Maximiano de 2015.




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