20 abril 2015

"Encontro Giratório" Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas - NATA (BA)

Oficina “cada homem é uma raça”
   Dia 19 e 20 de abril aconteceu a primeira oficina do Palco Giratório 2015 aqui em Maceió. Foi realizada pelo Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas – NATA e claro que me inscrevi para conhecer o núcleo e o seu processo de criação.
Foto do acervo pessoal de Rochelli Messias

   Cada grupo que passa pelo Palco Giratório do SESC nos deixa muita coisa boa de sua experiência e certamente levam muitas coisas boas que descobrem em seu percurso giratório pelo Brasil.
   O NATA apresenta em suas ações uma presença religiosa muito forte, não é a toa que seu espetáculo se chama “Exu - a Boca do Universo”.
   Começamos a oficina e partilharam conosco o processo de alongamento e preparação do corpo para a cena aos cuidados e atenção de Fernando Santana. “Olhos abertos”  ele nos dizia e nos impulsionava a buscar o corpo atento, a presença de cena e o estar pronto mesmo atrás da coxia. Durante quase todo tempo do alongamento e aquecimento tínhamos uma trilha sonora composta por músicas das religiões de matriz africanas e era impossível não despertar em nós um corpo que se volta para a origem, para a busca de uma ancestralidade que muitas vezes se perde ao longo do caminho. Estou há um ano visitando o terreiro de Mãe Carla e Pai Jefresson aqui em Maceió e muitas vezes meu corpo queria acessar uma memória desses momentos vividos dentro da casa.
   Um dos exercícios mais marcantes da primeira manhã foi o da buscar por uma palavra que nos definisse e em seguida dançar essa palavra. Thiago Romero pediu para que imaginássemos uma folha em branco e escrevêssemos a palavra, colocássemos dentro de um circulo e perto dela alguém que gostamos muito. Por fim, pediu que escrevêssemos do lado de fora do círculo uma frase que gostaríamos de dizer a essa pessoa. As emoções transbordaram nessa hora. Eu não estava esperando que esse momento pudesse acontecer naquela manhã. O NATA nos levou para perto das nossas inquietações, dos nossos segredos e nos deu uma folha em branco para recomeçarmos tudo. Foi uma experiência religiosa, posso dizer, mas no sentido pleno da palavra, no sentido de religar as coisas e de preparar o nosso corpo e a nossa alma para o encontro que o teatro nos possibilita.
   Pensei em “Terra”. Terra elemento do meu signo. Terra da fertilidade. Terra mãe. Terra que bebe a água.  Água da Mãe Oxum. Mãe Maria de Nazaré. Mãe Rita que me colocou no mundo. Necessidade de se plantar no chão e deixar brotar junto com a natureza.
   “Agora conheço vocês” nos dizia Thiago ao perceber que o exercício que propôs exercia sobre nós um aspecto libertador e deixava transbordar as nossas vulnerabilidades.
   Durante a tarde aconteceu o segundo momento. Um momento de criação dramatúrgica, aliás, estávamos o tempo todo em processo de construção de dramaturgia. Durante a manhã havíamos criado partituras corporais em grupos de quatro pessoas e pela tarde continuaríamos trabalhando, só que dessa vez com a presença de mais um integrante do grupo que é apaixonado pelo Mia Couto, o núcleo gosta muito do Mia. Conversamos com Antonio Marcelo sobre a obra do autor e em seguida voltamos aos grupos com contos do Mia, aonde iríamos livremente acessar o universo do autor e compor uma proposta que dialogasse também com o nosso exercício da manhã.
   Havia na sala um dramaturgo. Este observava e digitava muito durante a oficina.
   Daniel Arcades estava atento as ações que fazíamos e as cenas que sugeríamos para assim trabalhá-las melhor no dia seguinte com uma proposta escrita a partir do que ele presenciou. Achei isso o máximo!
   Teatro que busca no ator um impulso de criador e possibilita um diálogo com o dramaturgo. É muito rica essa experiência. Nosso tempo de teatro convida atores e dramaturgos para construírem juntos na sala de ensaio. Lembrei bastante da pesquisa que venho fazendo em Dramaturgia em Processo Colaborativo. Vi naquela tarde que eu estava participando de um processo colaborativo com as hierarquias horizontalizadas, mas cada um assinando e sendo responsável por sua função.
   No último dia de oficina Daniel nos trouxe quatro propostas de cenas. Thiago realizou a leitura de todas elas e entregou aos seus respectivos grupos. Estávamos todos ali na escrita de Daniel. Estavam também Thiago, Fernando e Marcelo que nos provocaram muito durante os dias de oficina. Era resultado de muitas buscas. Uma palavra que procurava um corpo, um corpo que se entregava a uma palavra, a mente que se entregava a leitura do conto do Mia Couto, o sentidos que despertavam para construir livremente sobre as palavras do escritor e pedaços das nossas subjetividades. Daniel estava atento, estava ouvindo e vendo. Transportou para a escrita muitas frases que soltamos durante nossas conversas, durante a roda de apresentações e até mesmo a entrelinha dessas coisas que dizemos e achamos que não tem importância.
   Tínhamos uma hora para reafirmar aquelas palavras nas nossas partituras e na nossa voz. Apresentamos aos membros do grupo, fomos avaliados e tivemos mais quarenta minutos para unir todas às quatro cenas em um só espetáculo. Estava pronto o nosso ponto de partida para a construção de uma poética teatral. Ali naquela sala, nessas horas de oficina vivenciamos a busca pela expressão teatral e uma busca que parte do que nós somos e trazemos.
Foto extraída da página Artes Cênicas SESC -AL 

   Amanhã, dia 21, o NATA se apresenta no Teatro Deodoro. Vamos ter a oportunidade de ver de perto o resultado de uma busca coletiva que já começamos a entender pelo processo de sala de ensaio do grupo.
   Thiago terminou a oficina dizendo que “Nós escolhemos o teatro e o teatro escolhe a gente... Continuem!”. Estou desde então pensando nessa frase e sem muitos medos, querendo apenas continuar essa busca, essa expressão, esse teatro.
  A oficina continua, porque cada encontro marca, reflete e se estende para sempre em nossas vidas.
Voltem sempre a Maceió!




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