A primeira vez que ensaiei com a carroça, inicialmente
pensada, levei um susto, porque era outro espetáculo que eu descobria. Aquele corpo
falante precisava agora descobrir uma nova forma de se comportar num espaço
quadrado. Um corpo mal comportado num espaço “ilimitado” de desejo.
Foi uma forma diferente de observar a construção feita ao
longo dos meses.
“É um corpo de velho?”, “É uma voz diferente?” me perguntava o Vitor.
Não, não é! Volante usa tudo de mim. É a minha voz e o meu
corpo descompensado trombando em palavras que se espalham e explodem no ar como
bolhas de sabão.
Eu estou querendo dizer.
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Fotografia de Nivaldo Vasconcelos |
São quase oito meses de gestação e
com nove a gente sabe que nasce a criança, mas não dá para ter pressa, não pode
ser prematuro. “A pressa é inimiga da perfeição” eu pensava quando saia da Loja
das Bugigangas, local que construi a carroça, pensando e entendendo que esse
ditado é velho e certeiro. Na minha pressa e necessidade de ter a carroça eu
errei. Tive uma carroça que na prática tornou-se inviável.
“Isso não parece uma carroça, parece um quadrado” dizia o Felipe
de Alencar.
O meu quadrado/carroça, a minha carroça quadrada era a minha
forma quadrada, enquadrada de ver o mundo naquele momento.
Sem pressa! “Se avexe não! Amanhã pode acontecer tudo,
inclusive nada!” diz a canção.
“É que gestação não é um momento totalmente feliz. Embora a
grávida esteja feliz, ela tem os olhos tristes” dizia o Paulo Vitor para me
acalmar e me deixar menos ansioso.
Esperar me deixa com olhos tristes de grávida.
Quando nada acontece é terrível. Um dia eu resolvi assumir o
volante da minha vida e disse a mim: “Eu vou fazer e usar o que eu tenho”. Eu
me digo isso todos os dias, porque tenho medo do aborto e por que nessa vida eu já abortei.
Um amigo me falava de egoísmo há quase um ano. E me dizia
que acreditar no que se quer deve ser um ato “egoísta” necessário.
“É como se você adivinhasse o não antes dele chegar”, dizia
para mim o Nivaldo, mas é que o “não” esteve tão presente no último ano que
quando o “sim” aparece eu desconfio, fico meio “Tomé” querendo colocar o dedo
na ferida.
No inicio a sala era fechada nos ensaios e aos poucos com o
entendimento do processo a gente foi abrindo para os amigos.
Mas eu precisava nesse processo “Matar o mestre, o pai, a
mãe...”, “cortar o cordão umbilical” como me ordenava o querido mestre Ronaldo
Aureliano.
“Vai levar tapa na cara da vida” me dizia seu Bolero, um
poeta da Viçosa, me ordenando a acreditar e me jogar sem medo.
Felipe e Elton foram as surpresas da minha vida nesse ano de
2014, mas eu preciso contar uma coisa... Eu sempre imaginei estar com o Felipe desde o primeiro
dia que pensei nesse espetáculo, mesmo a gente se vendo tão pouco naquele
momento. Depois ele me trouxe o Elton que é tão doce e tem um olhar tão sensível
que eu fico querendo ouvi-lo falar sempre para aprender a música que ele traz
nos olhos.
Essa semana bateu tristeza. O parto se aproxima e tem que
ser natural... Não tinha figurino, maquiagem e cenografia. Eu não sei costurar, mas um dia Lael Correia
e Acioli Filho me disseram da necessidade de saber fazer, de tentar e
experimentar. Mergulhei nessa lembrança e fui cortando tudo que vi de tecido
pela frente e encontrei muita coisa no lixo para o caminho que se revelou para
o figurino. Já temos uma concepção do figurino! Tenho também a disponibilidade e boa vontade da Ticiane Simões para me ajudar a finalizar o figurino.
Depois me vem Rayane Wise e embarca nessa carroça com sua
concepção de maquiagem que já me faz querer no rosto. Mandei uma mensagem para ela pedindo ajuda, socorro e salvação e ela afetuosamente me atendeu. Encontro com Carlos Alberto
Barros que me diz que vai defender o projeto do espetáculo para conseguir
pautas no teatro.
Aparece Roberta Aureliano que há dez anos me oferecia a minha
primeira experiência com teatro em uma oficina na cidade de Viçosa – AL, desde
então, nunca parei de fazer teatro. Roberta sabe da importância desse
espetáculo em minha vida, sabe que é o cordão umbilical que seu pai me pedia
para cortar, sendo jogado no mar, no rio, na vida que bate no rosto. Ela vai
até Edner Careca e pede para mim uma luz. Telefona e cria uma ponte com Paulo
Cesar Frazelly que abraça o desafio de cuidar da cenografia.
Ai gente! Eu estou mais calmo, porque na hora certa tudo se
encaixa, tudo acontece, inclusive nada. Vou seguir a semana sabendo que a gente
sempre pode contar com os amigos, mesmo aqueles que pareciam estar distantes e
que teatro se faz com gente.