27 outubro 2016

06 outubro 2016

Teatro para tempos difíceis

Há um tempo venho precisando de recomeços. Esse ano de 2016 não está sendo fácil. Desde o começo dos protestos de rua e os batedores de panela verde-amarelo eu vi pouco a pouco tanta coisa sendo destruída nesses poucos meses.

Um governo ilegítimo tira de nós cada vez mais a dignidade. Uma mídia golpista faz descer goela abaixo as “verdades” que “devemos” defender. “Não está sendo fácil” diz a canção.

O pior de tudo isso é a imobilidade que me toma na maior parte do tempo. Olho pra dentro de mim, olho ao redor e me pergunto: “O que fazer?”. Não tenho respostas. Não sei responder. Não sou politizado o suficiente para soltar todo esse grito contido, mas o pouco que sou e que vi e aprendi ao longo da vida me faz afirmar para mim que eu não vou por aí.

Resistir é palavra que acende no peito. Re-existir é a necessidade que brota a cada dia com tantas desilusões e sonhos sendo atacados cotidianamente.

Fiquemos juntxs


Só posso responder com teatro. É a certeza que tenho desde quando tinha 16 anos e fiz minha primeira oficina e que desde então nunca parei. Eu, todos os dias, desde os 16 anos, penso em teatro e falo a palavra teatro todos os dias. Essa relação vai se firmando, vai se fortificando, vai florindo, enquanto algumas folhas insistem em cair.

 Só posso responder a vida com teatro, volto a dizer.

Observei muita coisa pela internet. Que mundo cheio de tempestades esse do facebook. Acordo sabendo que uma nova notícia ruim vai aparecer e aparece. Não é culpa das redes sociais, elas são ótimas e importantes no nosso tempo. É culpa desse tempo desencontrado que a gente vive. É culpa dessa falta de tempo para perceber e respeitar o outro.

O ser humano é falho. Disso eu tenho certeza. O ser humano é cruel quando quer ser. Essas eleições que aqui vivemos me fez repensar meu tempo no interior, a busca por um ideal de cidade melhor, a incompreensão na maior parte do tempo, o desprezo, o abandono. Quando olho para lá lembro de um tempo bom e até ingênuo perante essa máquina que rege tudo. Hoje por lá as pessoas em sua maioria se mostram como sempre foram, pulando de um lado para o outro na busca pelos seus próprios interesses, mas tudo bem, isso agora não me cabe e não posso mudar. Eu posso fazer teatro. Isso eu sei que posso. O teatro nunca me abandonou, permanecemos um do lado do outro, com nossas crises comuns em todos os relacionamentos, mas eu o escolhi e eu o amo.

No dia 23 de setembro Rayane e eu realizamos pelo Festival de Teatro de Alagoas – FESTAL a oficina de Contação de Histórias: “A história que há em mim, me leva a contar”. Foram quatro horas de aprendizado e a proposta da oficina é ouvir histórias, essas que existem em cada pessoa que estava presente e que mexe com suas memórias e relações até hoje. Para contar outra história é preciso revisitar as nossas primeiro, esse é um dos princípios que acreditamos.

A vivência na oficina me fez perceber muita coisa. Terminamos em lágrimas. As lágrimas eu não esperava, mas elas vieram por que precisavam contar alguma coisa.

Saí da oficina com o coração cheio de luz e esperança. Estava ali uma das respostas para tantas questões: A gente precisa contar a nossa história para que os que chegam depois não a engulam, não a façam parecer que nunca existiu, porque é assim que a gente vive hoje ou pelo menos os golpistas querem que a gente viva, como se não tivéssemos tido uma história.

Em abril desse ano Rayane e eu começamos a montagem do nosso novo espetáculo. Um infantil. Tivemos encontros, ensaios, leituras, mas tudo foi se engolindo por esse tempo estranho. Não desistimos da peça. Ela vai voltar no tempo dela, mas a necessidade que vinha gritando em meu peito era de responder a isso tudo. Como eu não sei ou não sabia. Passei muitos meses estudando sobre loucura, porque via nela uma saída para essa realidade que vivemos. Passei semanas refletindo sobre a ansiedade que toma conta dos nossos dias...

Essa semana depois de muito rabiscar papel surgiu uma provocação inicial. Levei para Rayane ler. Conversamos pouco no dia de hoje, mas ela já entendia o que aquilo queria dizer. Diferente de “Volante” que sai pelo mundo, agora a gente quer falar sobre a imobilidade, sobre o não conseguir sair do lugar, não saber o que fazer, não saber como enfrentar o inimigo. É um começo. Pode nem ser isso daqui pra frente, mas dentro de nós já começou.

Evoé!

Antes de terminar essa postagem uma amiga me marca no facebook numa noticia em que os deputados (que dizem sim “por deus, pela família, a moral e os bons costumes”) acabam de protocolar no dia de hoje um decreto para barrar o decreto que dá direito as pessoas transexuais de terem seu nome social. São tempos difíceis. Preciso ir pra rua. Preciso fazer teatro.

Outra coisa: A peça "Se os tubarões fossem homens" da Cia Ozinformais está em cartaz na nossa cidade. É um grito de esperança. Assistam.

Boa noite e 
FORA, TEMER!

Bruno
Abaixo registro da oficina pelas lentes de Thiago Sampaio (Cia do Chapéu)