22 fevereiro 2016

Fevereiro na Aldeia Wassu Cocal

Nosso coração vai se dilatando a cada encontro.
Como gosto da palavra encontro.
Gosto também de coração, porque aprendi que dela surge a palavra coragem.

“O caminho do coração é o caminho da coragem.”

Desde maio de 2015 percorremos o caminho do coração quando começamos as idas a Aldeia Wassu Cocal na cidade chamada “Joaquim Gomes” aqui em Alagoas.
Percorrer esse caminho nos aproxima da coragem.
O projeto “AmeriAfroContos Volantes Chamam pra Roda” sabia desde o seu nascimento que não iria por lá ensinar, mas aprender, visto que a oralidade é a grande herança da comunidade. Suas histórias de luta, derrotas e vitórias mantém viva nos olhos de cada morador a esperança de uma vida mais digna e melhor para todos.
Aprendemos o tempo todo por lá. 
Nos erros nossos, nos caminhos vacilantes rodeados de ansiedade, estava no fundo a vontade de se encontrar no meio daquele espaço.
Cada folha caindo no chão era a novidade instaurada no nosso olhar. Foi preciso muitas folhas caírem para começarmos a entender a dança do vento.
Não é fácil ouvir, mais difícil ainda é ouvir quando pouco se fala, ou quando o silêncio se fortalece. Não sei ouvir com outros olhos ainda...
Os caminhos da oficina foram se desencontrando, se reencontrando, se mostrando como deveria ser. Não poderia ser a nossa maneira, por mais que quiséssemos. Deveria ser em outro tempo, um tempo mais generoso e paciente que só tem quem já viu alguma coisa da sua história se perder no meio do caminho.
Perco-me facilmente da minha história. “Conto histórias para não esquecer quem sou”, alguém falou ao professor Toni Edson e eu guardei pra mim como um carrapicho que gruda na roupa. Não quero largar.
Fiquei maior parte do tempo com os pés no chão. Precisava criar resistência na pele, como dizia Wesley Felipe, mas acima de tudo eu preciso criar raiz.
Tomei banho de rio uma vez e usei pouco protetor solar. Queria ter medo de nada por algum momento, tampouco do sol.
A “última” imersão do cronograma do projeto aconteceu nos dias 19, 20 e 21 de fevereiro. 
A oficina aconteceu na Comunidade da Pedrinha. Um público misto de crianças, adolescentes e adultos. Alguns já continuavam a oficina desde os primeiros meses, outros chegavam pela primeira vez. Foi assim, uma variação de participantes durante todo o período, porém isso nunca foi problema, pois quem chegava deixava um pouco de si quando partia.
Tivemos muitos avanços do encontro de dezembro para esse. Fizemos jogos e momentos em que os jovens eram convidados a contar histórias, a montar imagens com as suas histórias e principalmente se permitir transmitir o que aprendeu ao longo da vivencia na Aldeia. As histórias estão inseridas na formação de cada um. 
No começo da noite apresentamos o “Cocar de Histórias” para os participantes da oficina na Escola Indígena Manoel Honório da Silva. 
Quando nos arrumávamos escutávamos no terreiro as crianças cantando as cantigas da oficina e fazendo entre elas os jogos que havíamos feito. Esse momento foi emocionante, porque percebíamos que ficava um pouco da nossa passagem naquele lugar.
Por volta das 20h teve inicio no terreiro da escola uma roda de Toré. Um dos momentos mais esperados por todos nós, onde numa única roda nos encontraríamos e selaríamos aquele momento. 
No domingo, 21, fomos visitar o índio Kíndio. Um senhor sorridente e amoroso com seus mais de oitenta anos de histórias pra contar. Uma manhã regada a risos, lágrimas, profecias de coisas boas e garrafada de ervas que o próprio faz há muito tempo. Como esquecer e não ser feliz ao lembrar o sorriso de “Seu Kindio”?
Foram oito meses vivendo esses momentos na Aldeia Wassu Cocal. Nesse período de projeto foram seis encontros mensais, entre duas visitas com as lideranças para apresentar e prôpor o projeto e quatro encontros de imersão com oficinas de teatro. 
Parece que quando a gente está pegando o ritmo, ou entendo o ritmo da coisa, a vida vem pra nos pedir uma pausa, aliás, é a burocracia que nos freia, a vida nos liberta.
O projeto chegou ao fim desse primeiro momento. Cumpriu o cronograma do Programa de Iniciação Artística da UFAL. Os desejos de continuidade permanecem em nosso peito. Ainda há muito que aprender!
As rodas de contação “Cocar de Histórias” continuarão a acontecer futuramente. A Aldeia começa aos poucos a acontecer dentro de nós. Agora é preciso mais silêncio no corpo todo para ouvir o que a experiência tem a dizer. Agora é a hora de lembrar com saudades de todos os momentos vividos e torcer para que no tempo certo aconteça o retorno. Sim! Queremos voltar.
Aqui fica o agradecimento ao Cacique Jeová por abrir os caminhos para que pudéssemos vivenciar todos esses dias. 
A dona Rosineide e Seu Gunga que nos acolheram durante esse tempo em sua casa com suas netas Yasanã e Yaponira.
Aos jovens e crianças da aldeia que tanto nos ensinaram. Aos mais velhos que nos ensinam sempre.
Ao professor Toni Edson por toda paciência e generosidade em acolher a nós impulsionando as descobertas no caminho.
Aos contadores (Rayane, Rozebel, Tamires, Wesley, Selma e Cleci) que juntos construíram esse caminho que continuamos a percorrer e descobrir.
Um abraço,
Bruno


 O projeto “AMERIAFROCONTOS VOLANTES CHAMAM PRA RODA: A ORALIDADE DE QUEM DOMINA PELA VONTADE DE APRENDER DE QUEM RESPEITA” foi aprovado pelo Programa de Iniciação Artística - PROINART da UFAL e tem a coordenação do Professor Toni Edson.


Registro da Vivência:




Professor Toni Edson 




Encontro com seu Kindio






15 fevereiro 2016

"Texto Ex Machina" Segunda Temporada em Março

 "Texto Ex Machina" está voltando!

 Novos textos, novos encontros e novos diálogos!

 Os textos estão em todos os lugares!
 Espalhados nas entrelinhas do nosso convívio…
 Em meio ao descarte urbano…
 Tudo serve para a poesia!
 Está chegando a hora de novos encontros de ator/atriz, o texto e a máquina!
 No mês de Março voltamos com a websérie!
 
 Espalha por aí!

 Enquanto não chegamos com as novas leituras confira os 7 primeiros episódios da nossa websérie.




Fotografias: Nivaldo Vasconcelos
Design Gráfico: Estúdio Estúdio Atroá


Sobre "Texto Ex Machina":

“Texto Ex Machina”, literalmente “texto saído da máquina” é uma websérie criada por Nivaldo Vasconcelos (Estúdio Atroá) e Bruno Alves (Coletivo Volante de Teatro) para o facebook e vem desde Julho de 2015, quinzenalmente, realizando um jogo de desafio de criações entre a dramaturgia teatral e o audiovisual.
 O desafio é simples: Com o uso de apenas uma câmera, um cenário (No caso a própria casa dos realizadores) e atores, construir episódios onde o foco é o texto e a experimentação audiovisual.


12 fevereiro 2016

Relatos sobre o "Chá da Tarde"


“Nada Acontece Mesmo Por Aqui?!”

 Aconteceu no último 28 de janeiro a 8º edição do “Chá da Tarde” com o tema “Nada Acontece Mesmo Por Aqui?!”, organizado pela Cia do Chapéu no Complexo Cultural do Teatro Deodoro aqui em Maceió.
 O “Chá da Tarde” é um momento de confraternização entre os artistas das Artes Cênicas de Maceió, no qual dialogamos os pontos positivos e negativos do último ano de produção na cidade. É um ambiente descontraído, com conversa séria e informal, com muito papo sobre arte, sobre desejos, sonhos e indignações.
 No “Chá” tem espaço para muitas questões e todas por lá são bem vindas, visto que dentre os espaços de tentativas de diálogos é este o que mais agrega pessoas e mais tem continuidade. 
 O “Chá da Tarde” possui uma fórmula que há oito anos vem mobilizando e atraindo gente. Todo ano eu espero por esse momento. A gente se sente em casa no “Chá da Tarde” é como uma conversa numa mesa de bar com amigos.
 Esse foi o segundo ano que participei, dessa vez fui como convidado a participar "da mesa" representando o “Coletivo Volante”. Fiquei lisonjeado com o convite.
 Demos início por volta das 19h.
 Thiago Sampaio deu abertura ao encontro falando da escolha do tema que se deu por no último “Chá” terem surgidos muitas falas em que se colocavam em um lugar que nada acontece. Este ano já que aparentemente "nada acontece" a Cia do Chapéu decidiu não exibir na abertura  do encontro o video que faz um resumo dos acontecimentos teatrais da cidade no último ano.
Thiago apresentou a mesa composta por David Oliveira (Clowns de Quinta), Waneska Pimentel (Associação Teatral Joana Gajuru) e o mediador Flávio Rabelo (Cambar Coletivo).
Antes das falas da mesa foi lida por Thiago a carta de Anderson Vieira (Claricena) que por questões geográficas não pode estar presente no encontro representando seu grupo. A carta pode ser lida clicando AQUI!


Todas as fotografias são de André Cavalcanti

 David Oliveira abriu sua fala questionando o próprio tema e revertendo a pergunta ao dizer: “Mas quem diz isso?”. Mostrou-se otimista com o espaço de construção do ano de 2015, falou da precariedade de algumas obras, da necessidade de ter tempo para se debruçar sobre o fazer artístico para aperfeiçoar. Sua pergunta do “Quem diz isso?” reverberou ao longo do encontro com uma tentativa de se entender de onde viriam esses questionamentos ao dizer que por aqui as coisas não acontecem.
 Tentei me responder a essa pergunta que o tema do encontro prôpos. Achei a provocação importantíssima para esse nosso momento de começo de ano.



 Comecei dizendo que as coisas acontecem por aqui!
 Em 2015 tivemos um ano muito movimentado para as Artes Cênicas em Alagoas.
 Em abril e maio o Palco Giratório do SESC acoplou durante todo o mês atividades de formação com artistas das mais diversas regiões do país, além de uma programação intensa de espetáculos. O SESC ainda possibilitou a Oficinas de Dramaturgias em Dança e em Teatro com Vinícius Souza, da qual nasceu o Clube de Dramaturgia que continua investigando a escrita em teatro.
 É também no mês de maio que a Associação Teatral Alagoana - ATA realiza o Maio Teatral com atividades em comemoração ao aniversário do grupo e a data estadual do teatro alagoano.
 Tivemos a Mostra Nacional de Vídeos sobre Intervenções e Performances - Mostra IP que tem como produtor local o Coletivo Careta.
 Em agosto recebemos o Festival do Teatro Brasileiro – FTB com espetáculos da Paraiba e oficinas de formação de artistas e plateia.
 Em Setembro aconteceu o Festival Internacional de Teatro de Objetos – FITO e também o I Filé Teatral da Universidade Federal de Alagoas.



  
 O Coletivo Heteaçã em dezembro fez a sua primeira “Mostra de Teatro Lambe- Lambe”, dentre outras ações e estreias e temporadas do teatro local.
Tivemos muita oportunidade de pensar, assistir e fazer teatro em 2015. 
 Aconteceu muita coisa.
 É nesse mesmo período que é lançado o Edital Municipal Eris Maximiano de Incentivo as Artes e dos 168 projetos inscritos, as Artes Cênicas ocuparam o primeiro lugar ao lado do segmento de  Música com 49 propostas de inscrições.  
 Existe demanda por aqui.
 Nesse mesmo ano a Universidade começa a mudar e oficializar seu Projeto Pedagógico do Curso de Teatro Licenciatura. Inserindo uma formação voltada para o contexto em que estamos inserido e a valorização cultural por aqui existente.
 Surgem “coletivos de teatro”, pesquisa em máscara teatral, teatro de formas animadas, ocupação dos espaços públicos, ocupação de trens, pesquisa em palhaço se amplia, teatro de lambe-lambe, contação de histórias e valorização da oralidade, dentre outras.

E o que não acontece mesmo por aqui?!

 O que me fez pensar que nada acontece mesmo por aqui foi quando enumerei as questões que impedem que as coisas aconteçam mais. Dentre elas o distanciamento politico da classe. Elegemos um colegiado e deixamos que eles por lá se virem sozinhos, sem estarmos juntos para decidirmos em grupo.
 Quando um artista ou grupo levanta uma bandeira por necessidades coletivas tomamos como algo pessoal e nos distanciamos sem ajudarmos a compreender essa necessidade e ampliar a discussão. Somos muito frágeis politicamente, porque não sabemos a força que temos.
 Lembro da Conferencia Livre há alguns anos atrás organizada pela Cia do Chapéu e que dela saíram comissões que se engajariam politicamente. Aquele momento foi marcante para mim como forma de organização do pensamento politico coletivo, uma pena que não rendeu por muito tempo.
 Falei que as coisas não acontecem por aqui, porque muitas vezes olhamos revestidos de um apelo passional para o trabalho do outro e só enxergamos como teriamos feito no lugar dele e não como ele conseguiu fazer, o caminho que percorreu, seu processo de descoberta… Olhar o resultado e o caminho precorrido ajuda a distanciar o ego e traz um olhar mais racional e honesto com a obra do outro.


  
Waneska Pimentel começou sua fala perguntando “O que é acontecer?” e das muitas coisas que ela falou, essa frase perdurou na minha cabeça ao longo dos dias seguintes, porque ela trouxe reflexões muito importantes para aquele momento, quando perguntava: para quem estávamos fazendo? aonde queríamos chegar com isso?
 Ultimamente eu tenho pensando muito nesse “acontecer” que Waneska futucou, porque entendo esse acontecimento como algo de entendimento muito pessoal, da decisão de cada grupo e artista, pois entender o que me faz “acontecer”, onde quero chegar, o que quero dizer, o meu significado para a palavra sucesso, o público que quero encontrar, dentre tantas outras questões, me ajudam a trilhar um caminho mais tranquilo e coerente.
 Flávio Rabelo mediou cada fala. Trouxe questões importantes da fala de cada um de nós e o espaço ao público foi aberto.



 Nivaldo Vasconcelos falou da importância da formação de plateia e principalmente na infância, dando ênfase na necessidade de um teatro infantil que proporcione uma experiência diferente e marcante para as crianças da nossa cidade.


  Depois da fala de Nivaldo Vasconcelos, foi a vez de Louryne Simões (Teatro da Poesia) que trouxe uma questão muito interessante para entender os lugares que dizem que nada acontece por aqui. 
 Louryne falava que quando dizia para alguém que faz teatro, as pessoas logo lhe diziam: “Mas você vai para o Sudeste, não é? Por que nada acontece por aqui!”. Lembrei das vezes que ouvi essa afirmação e da necessidade de desconstrução dela dentro de mim.
 – Não! Eu não vou para o sudeste, porque as coisas que eu acredito também acontecem por aqui!
 Mas o mais difícil não é ouvir alguém que não faz teatro dizer isso, mais difícil é ouvir de quem faz que as coisas não acontecem por aqui ou as que acontecem não possuem valor.


 Udson Pinheiro em sua fala revelou sua chateação com a classe, por nos momentos de votação e decisão política, mediante o poder público, não se fazerem presente. "Representar quem?" Ele nos questionou.
 Ticiane Simões falou da importância do espaço do "Chá da Tarde" e sugeriu outras edições ao longo do ano, inclusive se propôs ajudar na elaboração.
 Ticiane também trouxe para a roda uma discussão gerada na Mostra Surur de Cinema Alagoano, quando na última edição o júri resolveu não premiar nenhum ator ou atriz. Presentes Nivaldo Vasconcelos, Larissa Lisboa e Flávio Rabelo ajudaram a mediar essa questão posicionando para um entendimento mais amplo da situação, já que no regularmento da mostra dizia que poderia acontecer isso.






 O “Chá da Tarde” sempre termina com gosto de quero mais.
 A mesa foi servida. As discussões estavam acesas na ponta da língua. O estômago queria digerir muita coisa, agora com leveza e tranquilidade no coração. Tinha chá e café para todos os gostos, assim como as nossas opiniões.
 Fica aqui o registro desse importante momento para a nossa classe e a espera e disposição para contribuir com os próximos que estão por vir.
Vida longa ao Chá da Tarde!
Evoé!

Bruno Alves




Imagem de Divulgação


05 fevereiro 2016

Oficina Barracão Teatro - dia 5




Tiche não abriu a gaiola para soltar o pássaro azul que existe em meu peito.
Tiche me mostrou a chave e deixou em minhas mãos à decisão de abrir ou não.
Abro delicadamente essa porta com a fechadura enferrujada. 
Abro e já não dói.
" o que você quer falar? Qual o seu lugar no mundo? Marque sua presença. Quando você se cala e não fala, alguém vai falar com você. Teatro também é vida. É posição. Se posicione".
Eu transcrevo essas frases a minha maneira, da maneira que ouvi e que ficou no meu coração. Tiche toca no coração se a gente se permite.
Cheguei no último dia afobado. Ansioso. 

Respiração faltando e coração acelerado. Meu cérebro me dizia que era o último dia, mas meu coração me dizia que era só o começo.
Tiche foi objetiva como sempre quando expressei que queria mais tempo e nos disse: " as coisas dura o tempo suficiente. Aproveite o tempo que foi vivido, esse momento na história da vida de todos nós".
Pausa no peito. Respiração encontra o seu lugar. Desacelera o coração. Agora o tempo fica suspenso, parado no ar, agora tudo é eterno e terno, agora é o futuro, o passado, o tempo reconfigurado dentro de mim. Agora tenho todo o tempo do mundo.
O que eu vou fazer com todo esse aprendizado? Vou continuar investigando a máscara? Eu não sei e por hora eu não pretendo ter respostas. Tiche me ensinou que a pergunta bem feita é mais importante que a resposta. Ela se pergunta a trinta anos e sua experiência lhe  traz respostas e mais perguntas. Sei que quero isso, mais perguntas do que respostas.
" as perguntas movem o mundo" alguém já falou em algum lugar.
Muita coisa ainda está mexendo dentro de mim. Aqui na casa de Lu e Matheus, que nos hospedaram, minha mala está uma bagunça. Não seria diferente dentro de mim. Bagunça boa. Bagunça renovadora.
Pois é! Dentro de mim já é carnaval. Desde o dia que cheguei aqui. É festa da carne e da alma. Festa de renovação de ideias.
" Coragem etimologicamente vem de coração", dizia pedindo para permitir que o coração tivesse vez dentro do nosso corpo.
Foi muito bom e em uma palavra não caberia a sensação que está dentro de mim. Que dure, que reverbere pelo tempo que tiver daqui pra frente.
Querida Tiche, eu te agradeço por sua generosidade e sabedoria. Você nos olhou e nos enxergou. Sua força e luz nos iluminará pelos próximos caminhos. Aqui no coração cabe muitos sentimentos e prevalece a gratidão por todos os momentos vividos.
Gratidão, 
Abracos
 Bruno.

P.S.: Está é a postagem de número 100 do blog. Evoe!

04 fevereiro 2016

Oficina Barracão Teatro - Dia 4



Tiche confia.
Não se assusta com as nossas fragilidades. Sabe que é assim, porque tem tempo de experiência.
Hoje foi o dia mais difícil, porém mais realizador.
Voltamos a pular corda.
 Os níveis de dificuldade iam aumentando. O medo e a insegurança também.
Ela insistia para que não desistíssemos. Sabia que poderíamos superar. Eu em algum momento não sabia, mas estava ali tentando. Me superei em muitos momentos. Perdi e errei em tantos outros. Como é libertador reconhecer que perco é que erro.
Sabe aquela tristeza que bate quando você não consegue? Pois bem. Hoje eu senti, mas a alegria de se superar ela apaga toda insegurança. 
"Não faz juízo de valor. Não pensa no que vão pensar. Faz!" dizia com toda força e verdade.
Hoje tivemos contato com a máscara expressiva. Fomos preparados para isso. Nosso corpo já estava disponível para o desafio, para desafiar-se.
Trabalhamos os deslocamentos a partir da coluna, da face e da máscara. 
Tiche orientava o que assistia e fazia isso com tanta bravura que empolgava a gente.
Tenho aprendido muito por aqui. 
O tempo está passando muito rápido. Não sei o que farei com a máscara daqui pra frente e agora eu não quero nem pensar, pois sei que preciso passar por esse momento. É tudo muito precioso. Ouvi-la é muito enriquecedor. Ver o outro fazendo é uma das melhores aulas da vida.
Tiche em nenhum momento me passou uma verdade absoluta. Tiche tem me mostrado um caminho e principalmente a possibilidade de criar o meu, ou entender o meu.
"A gente não é o que quer. A gente é o que pode". 
Doido ouvir isso, mas ao mesmo tempo tranquilizador.
 Entender o que posso ser hoje me ajuda a buscar o que quero ser amanhã. 
Hoje eu fui um desmantelado pulando corda. Fiz o que pude, mas amanhã poderá ser diferente.
Se perdoar por não saber é uma possibilidade de buscar saber e entender que tudo se processa de maneira diferente dentro da gente e no tempo que tem que ser.
"A vida não é perfeita. Teatro não é perfeição".
Vou sentir saudades da Tiche. 
Amanhã é o último dia, mas essa oficina não termina aqui.
Bruno


 

03 fevereiro 2016

Oficina Barracão Teatro - Dia 3


Tiche hoje me fala do tempo.
" talvez você esteja aqui hoje para descobrir que seu corpo tem um tempo. Talvez toda essa oficina te ajude a entender que você precisa respeitar seu tempo. Vai lá e faz. Faz no teu tempo".
Hoje eu fiquei entristecido durante os exercícios. Coisas de quem começa a encarar os limites e tem dificuldades de reconhecê-los. 
Pular corda, uma coisa que uma criança faz com bastante vontade e leveza, de repente se torna um abismo do qual tenho medo de atravessar.
 Fico paralisado. O corpo trava e atropela o exercício. Atrapalho os outros, sinto-me péssimo.
" vai ficar sofrendo? Continua!", ela desafiava.
Não é fácil o uso da máscara neutra. Não é fácil deixar o corpo se expressar. A gente se mostra, se revela e traz coisas que não sabia que tinha, memórias de tempos esquecidos. Tiche conversou sobre isso conosco. 
Tiche brincou que teríamos curso de máscara e terapia juntos, mas sabemos que esse olhar para dentro de si vai muito além desse momento. A oficina desperta o nosso interior, me põe de cara com meus medos mais bobos e com fragilidades que se quer reparei anteriormente.
Estou me sentindo corajoso hoje. Um pouco mais de coragem. Uma frágil coragem de quem começa a entender alguma coisa, ou apenas uma coragem de quem ainda não entende nada.
Eu acho a Tiche uma pessoa cheia de conhecimento no assunto. São trinta anos nesse universo, mas ela tem uma diferença muito singela. Ela não fala, ela é o que diz.
Hoje foi a manhã mais difícil desses últimos dias. Sai da sala me sentindo a pessoa mais burra do mundo.
"Se perdoe" dizia para que entendêssemos que se ferir por não saber poderia nos fazer paralisar, enquanto o perdão a si mesmo e o reconhecimento do erro ajudaria a seguir na busca.
A Tiche me fez enxergar uma coisa muito simples, mas que não enxergava antes: " por que o medo de errar? Quando se erra você pode corrigir adiante". O erro é uma consequência para um "acerto". Parece uma coisa fácil, mas só o amadurecimento e a vivência fazem a gente perceber que pode ser assim, que devia ter sido assim a vida toda. Uma eterna possibilidade de erros e acertos.
Foi difícil a manhã com a máscara nesse dia. 
Ela me falava da necessidade da precisão dos movimentos, da respiração e acima de tudo o controle com o corpo. 
A energia bem distribuída poderia mudar muita coisa. Me sugeriu aulas de circo, ginástica, capoeira ou alguma luta que ajudasse a distribuir bem a energia.
Aqui no muro perto da casa em que estou hospedado com Rayane tem um muro que diz assim: MeDo-DoMe. Domar o medo foi a lição da manhã de hoje. Domar o medo de atravessar a corda. Domar o medo de atravessar-se.
Nunca parei pra pensar que o contrário de medo é dome! Tem medo que a gente pode não vencer, mas domar pode ser mais fácil. Saber que eles existem e que podem estar no lugar que a gente acha que devem estar, principalmente se for um lugar que não atrapalhe ou impeça a experiência.
Ele não me doma mais, pelo menos por hoje.
Bruno

02 fevereiro 2016

Oficina Barracão Teatro - Dia 2



Tiche nos invade.
Invasão anunciada, prometida, permitida e necessária.
O encontro começa com a sua serenidade transbordando aquela sala.
 Ela é serena, mas forte como um vulcão.
Não temos tempo a perder com mentiras. Quer de nós aquilo que podemos dar. Quer o de mais concreto, real e visível que podemos alcançar.
" não sei da história de vida de vocês, mas sei do que eu vejo e posso tocar". Isso a interessa nessa manhã. Isso a move a provocar em nós uma reflexão.
Aquecemos. Percebemos o nosso corpo no espaço.
"Não há senhor de escravos quando não existem escravos. Não há senhor que comande quando não existem os comandados", dizia e nem precisava explicar mais nada.
Nada nos aprisiona naquela sala. Nada limita o nosso eu que explode de medo.
Eu tremo. Tremo o corpo. Não consigo controlar a respiração. A perna treme. A língua treme querendo gritar. Ela se aproxima do meu ouvido e me pede para liberar a energia:
"Tremedeira é energia presa. Libere".
 As correntes começam a cair. Len-ta-men-te. O fluxo da respiração alcança o corpo todo. Não há corpo escravo da mente. Há corpo querendo ser livre.
OBJETIVA essa mulher!
Não quer devaneios, justificativas ou suposições. Quer o que há de mais concreto e visível que se mostra em nós. Aquilo que podemos ver, mostrar e que nada pode esconder.
Tiche vai direto ao ponto. Nos apresenta as mascaras neutras para que possamos usar e por incrível que pareça a máscara não nos esconde, mas nos mostra e liberta. 
Tiche põe máscaras em nosso rosto para revelar a nossa alma.
Sinto-me despido em muitos momentos. Eram fragilidades e falta de coragem expostas naquela lugar.
Eu não sei. Eu não consigo fazer isso, mas ela me avisou que esse momento chegaria, que eu erraria, porém isso era um passo para encontrar o acerto.
Presença de calma....
Ela quer saber de humanos. Gosta de gente e a máscara ajuda a revelar muito de nós.
Isso dá medo. Isso apavora! Se encontrar diante de todos mascarado revela a nossa condição humana.
" isso é falta de coragem. Termina as coisas, os movimentos...Sem medo de errar" ela me disse durante a minha demonstração.
Desconcertado mais um dia. Estou em busca de um concerto? Não! Busco uma sensação verdadeira, a mínima que seja, cheia de verdade e liberdade não provada antes.
Ela não tem medo.
Tudo poderia ser mais leve se eu me permitisse aceitar a vida em sua fragilidade e plenitude de falhas.
A gente sai da oficina e permanece no estado de silêncio  procurando deixar o corpo entender tudo que foi vivido. 
"Me deixa entrar!" Ela dizia pedindo pra não racionalizar o que poderia ser simples e leve.
Tiche tem me ensinado a errar.
 Errar sem medo, sem culpa. 
Errar com coragem e ousadia.
Saímos. 
Terminamos a tarde (Rayane, Gessyca, Michele, Pedro e eu) numa mesa tomando cerveja e chorando, rindo... Deixando o corpo falar sem medo.

Bruno

01 fevereiro 2016

Oficina no Barracão Teatro - Dia 1


Tiche nos olha e nos vê.
Estava hoje no primeiro dia de oficina diante de uma mulher que carrega nos olhos a leveza da experiência. Isso: a leveza.
Tiche não nos aprisiona. Vai aos poucos nos mostrando o caminho da liberdade e deixa em nossas mãos a possibilidade de experiência-lá ou não.
"Não finja que sente. Seja sincero com você" nos dizia durante os primeiros exercícios.
Tiche tem mais de trinta anos pesquisando a máscara teatral, mas nos dizia que estava ali para aprender.
"Um mergulho dentro de si mesmo" é o que nos propôs nessas primeiras horas. Fiquei desconcertado. Já não sabia o que me levava estar ali, mas estava. Estava querendo estar e feliz estando.
Falava da necessidade de levarmos as coisas com leveza e de não ter medo de dizer bobagens, porque isso nos é permitido a vida toda nesse processo humano de aprendizagem.
 Queria nos mostrar um caminho que encontrou e que continua procurando. "Mergulhar fundo numa coisa permite que a gente enxergue o que está ao redor... Quanto mais a gente mergulha mais a gente descobre".
Como me permitir viver esse momento pela necessidade de vivê-lo e não apenas pela "obrigação" de adquirir conhecimento? Como estar ali e esquecer os vícios do cotidiano todos grudados no corpo? Como permitir que esse corpo mostre o que eu não vejo?
"Às vezes não é a resposta que a gente não encontra, mas a pergunta que não está sendo feita direito" nos dizia.
Tiche nos dizia que estava em processo de escrita do doutorado e que demorou por que precisou de tempo para experienciar as coisas e ter o que falar sobre elas. Que incrível essa mulher!
Ela nos trata por igual nas nossas diferenças. Não tem quem sabe mais e quem sabe menos. Existem os que se permitem e os que não se permitem por achar que sabem. Quer nos mostrar os passos que levou para que entendesse muita coisa, mas que não tenhamos pressa,porque a caminhada é longa e precisa de tempo e paciência.
Desconcerto profundo. Leve e sutil como uma pena que corta o músculo. Ela sabe no que está mexendo.
Esse primeiro dia me deixa sem saber para onde ir, perdido e me reconhecendo como um ator que ainda não sei, que ainda erro e preciso reconhecer o erro, pois dizia que é importante identificar isso para buscar o acerto dentro das nossas possibilidades, porque assim não estaremos estáticos e aprenderemos muito.
Tiche tem amor no olhar e a leveza da humildade de quem já se deixou marcar pela vida.
Alguém assim a gente sente vontade de agarrar bem forte e não deixar sumir nunca mais.
Ela pedia para não nos preocuparmos em anotar as coisas, mas abrir o nosso corpo e a nossa alma para receber o que estava ali.
Tudo está dentro de nós guardado, escondido e esquecido pelo cotidiano que não nos faz perceber e não dá espaço.
Por falar em espaço, ela nos falou da importância de se ter esse espaço para trabalhar. Um lugar sagrado do qual nada do cotidiano atrapalhe a nossa busca.
Hoje foi só o primeiro dia. Amanhã a vida nos surpreenderá muito mais.

P.S.: Não registrei em fotos o dia de hoje. Eu nem lembrei que existem câmeras para fotografar, mas tá tudo aqui guardado com muito amor.

Bruno