30 abril 2015

Solar (3º Encontro)

   
Registro e orientação de Karina May

   Hoje foi mais um dia que a experiência com o laboratório de meditação e criação do SOLAR:Laboratório de Meditação veio para casa comigo.
  Karina havia proposto trabalhar a personagem feminina que tenho dentro do espetáculo “Volante”.
Registro e orientação de Karina May

   Trouxe-me uma saia e indicou uma sequência coreográfica para que eu iniciasse a primeira parte da meditação do dia. Eu deveria repeti-la durante no máximo trinta minutos. É na repetição que o nosso corpo vai entendendo novos caminhos. Dançar com a saia foi uma experiência diferente. Nunca vesti saia para dançar, vontade não me faltou em algum momento de vesti-la até para ir na padaria, mas experienciar a saia dentro do contexto da meditação e da busca pela essência feminina foi uma viagem desconhecida por mim. Não que saia seja só para mulheres. Homens também vestem saia desde tempos passados, porém juntar a descoberta do tecido que se movia no meu corpo foi uma possibilidade de conhecer um universo tão próximo e ao mesmo tempo distante.
Registro e orientação de Karina May

   A saia tinha vida. Eu tinha um movimento para realizar e a saia era livre para dançar o que quisesse. Karina me falou que aos poucos fosse deixando o meu corpo responder ao chamado da saia e da minha história com dança.
   Foi impossível não sentir no corpo o como ele estranhou e ao mesmo tempo me reportou para lugares dentro e fora de mim.
   Enquanto eu dançava uma dança que saia a partir dos movimentos indicados por Karina, ela posicionava em minha frente os elementos que uso para compor a personagem. Visualizar aquela imagem na minha frente me permitiu ganhar um conforto, porque era um lugar que meu corpo acessava e amava estar. Entregou-me o buquê que compõe a cena e senti que meu corpo também respondia aos estímulos. Tê-lo em minha mão me fez perder o ritmo que havia se instalado, olhar a imagem na frente já me chamava para algum lugar que eu conhecia e ter parte dela em mãos me desestabilizou e me provocou a ter uma nova experiência com o objeto. Sentia-me errando em parte dos momentos da meditação, mas eu entendia ao longo do percurso que era um erro certeiro, era um corpo descobrindo possibilidades e novas dimensões.
Registro e orientação de Karina May

   No segundo momento da meditação. Nesse estava presente o amigo e ator Cícero Rosa que compartilhou comigo a vivência. Tínhamos que girar durante quinze minutos focalizando o olhar na palma da mão. Inquietante! A sala girava, a saia girava e meu corpo girava. Durante um momento eu sentia como se estivesse levitando e isso me causava uma sensação tão boa que me tirava um riso do rosto. Eu parecia ter perdido o controle de mim e ao mesmo tempo parecia integrado numa única vida com aquela saia e aquele lugar. Quando meu olhar escapava da palma da mão fui sentindo enjoo e já não resistindo fui ao encontro do chão onde iria entregar o corpo que eu tenho. Karina me orientou deitar de bruços e abrir as pernas para espalhar a energia e de maneira rápida a tontura que senti ao deitar de barriga para cima estava indo embora, juntando-se com a terra e absorvendo a energia que tinha surgido.
Registro e orientação de Karina May

   Finalizamos com quinze minutos no chão. Era preciso o silêncio e a interiorização daquele momento. Meu corpo relaxava, mas não dormia e nem me dava sono. Dava-me uma sensação de bem estar e energia que eu não saberia descrever.
Registro e orientação de Karina May

   Refletimos sobre o encontro e eu segui para a minha aula de "Narrativas da Rua" com o professor Tony Edson. Pensei que não iria suportar as três horas de aula, mas Tony vem trabalhando com os elementos da natureza sendo dissolvidos dentro do nosso corpo. Eu estava ativo, inteiro e me entreguei aos exercícios como não tinha sido na semana anterior, quando não tivemos encontro do SOLAR. Parecia uma continuidade. Uma preparação para a entrega. Desde que comecei o laboratório eu tenho aproveitado mais as aulas, porque o tempo que passamos meditando me conecta e me faz estar presente por inteiro nas situações.

Registro e orientação de Karina May

   “Tudo dança hospedado numa casa em mudança” dizia Paulo Leminski e isso seria uma definição para o encontro de hoje. Essa minha casa-corpo dança com o som que se instala ao redor, porque a mudança é encontro.

   SOLAR é um “guindaste de levantar ventos” e eu entendo a cada dia mais essa sua busca pela provocação das nossas vidas, dos nossos corpos e dos nossos sonhos.
   Gratidão por esses encontros!
   Gratidão!

Bruno Alves

29 abril 2015

"Encontro Giratório" Núcleo Atmosfera - NUA (MA)

   Ele não queria saber o nosso nome.
   Levei um susto ao ouvir isso.
  Não poderia ser verdade. Seria arrogância? Não poderia ser, porque  ele tem uma áurea cheia de luz e queria muito mais da gente.
   Era preciso não se dar um nome.


Foto retirada da página Artes Cênicas SESC AL


   Assisti a “Divino” no dia anterior a oficina “Corpo Emaranhado”(dias 28 e 29 de abril) do Núcleo Atmosfera – NUA, (MA). Fiquei encantado ao ouvir os tambores tão vigorosos das Caixeiras do Divino. Que tambor forte! Parecia um convite para deixar a alma sair.
   O NUA possui um trabalho que envolve muito a questão do ser espiritual e da ancestralidade.
   “Nossas mãos curam” ele falou e pediu que de olhos fechados dançássemos com as nossas mãos curando o nosso corpo.
   “O que for ruim tira do teu corpo e enterra na terra”, ele ensinou.
   Ele nos pedia para visualizar a terra enterrando nossos corpos e éramos a partir dali “larvas” vivenciando o solo e experienciando sair. Visualize, ele frisou. Era preciso ir além da imaginação, tinha que vê a coisa toda acontecendo.
   Ele pediu que fossemos saindo dessa terra, tocando o chão com as mãos e os pés e aos poucos despertando  até encontrar o homo sapiens do nosso corpo.
Caixeiras do Divino. Foto retirada da página Artes Cênicas SESC AL

   “Todas as danças que hoje existem nascem das danças ancestrais, da terra”(e aqui eu estou tentando reproduzir as falas que ele ia dançando em nossos ouvidos).
   Ela, sua companheira de cena e oficina, nos trouxe o boi do Maranhão e ensinou uns passos para a gente. Eu não sabia como me sair, parecia estranho, mas ao mesmo tempo parecia tão intimo da gente.
   “Descubram que dança surge no corpo de vocês a partir desse boi” ele encaminhou.
   Começava a surgir a nossa dança. O encontro com a terra, com o boi e com o som das caixeiras do divino fazia a gente ter uma experiência pessoal com a dança, como uma criança que volta ao ventre da mãe. Estávamos voltando para o que é nosso, porque não foi difícil encontrar entre as danças que surgiam linhas do nosso Guerreiro,Reisado, Coco de roda... Lembrei por muitos momentos do Mestre Bia e sua banda de Pífano pelas ruas de Viçosa, minha terra natal.

Foto retirada da página Artes Cênicas SESC AL

   Todos foram ao círculo e dançaram o que havia surgido a partir do boi. Eu que não sabia o nome ou a história da vida de algumas daquelas pessoas, começava a identificar através da força /leveza de seus movimentos um universo que seria só dela e que a dança permitia que acessássemos.
   Foi momento de se emaranhar. Num único espaço deveríamos continuar o nosso movimento, no meio do movimento dos outros. Estávamos misturados, emaranhados de terra, ar, fogo e água.
   Era momento de explorar mais essa experiência.
   No segundo dia as caixeiras do divino tocariam uma música única para cada dança que elas viam nascer no dia anterior. Começamos a criar o que ele chamou de “Tubo” e uma pessoa ia à frente, começava sua dança e os outros acompanhariam esse movimento, criando uma sintonia, um tubo de movimentos individuais que traziam uma nova dança coletiva.

Foto retirada da página Artes Cênicas SESC AL

   Finalizamos o momento da oficina.
   Em círculo, ele se apresentou, falou sobre sua história de vida e abriu a roda para que falássemos de nós. Sabíamos muito um do outro. Ele nos reconheceu através da dança e falou que o tempo todo estávamos revelando mais que o nome.
   Ele se chama Leônidas Portela, sua amiga é a bailarina Marina e as lindas e dóceis caixeiras do divino se chamam Roxa e Gracinha.
   O Núcleo Atmosfera foi ao fundo. Percorreu o fundo da terra e suas camadas mais distantes. Situou o nosso corpo nesse espaço e nos lembrou que somos todos um só nesse universo.
   Estávamos todos protegidos na atmosfera de uma dança de nós mesmos.

   Gratidão!

27 abril 2015

"Encontro Giratório" Grupo Clareira de Teatro (RS)

   A segunda oficina do Palco Giratório de 2015 aconteceu nos dias 26 e 27 de abril e foi por conta do Grupo Clareira de Teatro do Rio Grande do Sul que apresentou no sábado (25) "Nina, o Monstro e o Coração Perdido".
   Tivemos a oportunidade de conhecer Valquíria Cardoso, Alex Limberger e Gustavo Dienstmann.
   “Contando a gente acredita”, o título da oficina, tornou-se um convite para mergulhar no grande e maior motivo do fazer teatral: o contar histórias.
Registro do arquivo da Nina (Ops!) da Valquíria Cardoso.

   As histórias estão no nosso imaginário, estão soltas nas ruas e nos lugares mais improváveis. Participar da oficina foi uma possibilidade de desenvolver ainda mais essa arte que necessita dos olhos e ouvidos atentos e de um corpo inteiro e presente. Prontidão! Dizia-nos Valquíria alertando para a necessidade de contar com todas as partes do nosso corpo.
   Valquíria é uma contadora e escutadora de histórias. Contou-nos em nossas conversas que certa vez encontrou com Tony Edson, um professor nosso da disciplina “Narrativas da rua” no curso de Teatro Licenciatura da UFAL, assim como Valquíria, Tony é um contador de histórias, um pesquisador disciplinado e intenso em sua busca pela cultura Griot/Djeli do país de Burkina Faso na África. 
   As histórias nos aproximaram. Trouxeram para perto de nós Tony e Clareira de Teatro.
   Começamos a oficina, mas não era permitido dizer o nome, apenas de onde vinha o nosso contato e interesse pelas histórias. Em seguida em círculo, tínhamos que expressar em três verbos as iniciais do nosso nome para que o grupo descobrisse.
   Gustavo, Alex, Valquíria fizeram muitos jogos lúdicos para nos aproximar do universo que cerca as histórias.
   Em um dos jogos tínhamos que nos dividir em duplas, criar uma linguagem inexistente e contar uma história. O outro componente da dupla iria traduzir de acordo com os estímulos que o “palestrante” fosse impondo, ou não. Tínhamos nesse exercício a possibilidade de criar e contar sem precisar da nossa linguagem formal. Era preciso corpo, ouvido, olhar e cumplicidade com o público e tradutor.
   O exercício da cadeira foi uma proposta provocadora. Deveríamos recriar com aquele elemento outras utilidades, porém o desafio estava em ver que a quantidade de possibilidades iria aumentando de acordo com a entrada de novos participantes e os novos possíveis e impossíveis usos não deveriam ser repetidos. Chegamos a um número que não consigo calcular, mas basta imaginar que um só participante teve que encontrar 22 possibilidades.
   Quando foi a minha vez fui fazendo as possibilidades que me surgiam ao ver meus amigos tentarem em seus momentos, porém em um determinado momento o meu repertório havia acabado e eu estava com uma cadeira para descobrir o que fazer com ela. Nesse exercício percebi que nossa mente e nossa interação com o objeto pode nos levar a lugares não imaginados e que quando achamos que não poderiam existir mais possibilidades elas aparecem.
   Alertavam para a necessidade de procurar a resposta no próprio objeto. Não adiantava olhar para o teto. “Mexa na cadeira! Encontre em contato com ela” nos diziam. Era preciso encarar aquele objeto como uma possibilidade infindável de criação.
   Em círculo deveríamos dizer um nome de uma fruta e era um exercício de acúmulo, porque o participante seguinte não só dizia a sua, mas também as dos companheiros que já haviam falado. É possível imaginar que seja um exercício difícil, mas o grau de dificuldade aumentava por que o circulo dava duas voltas, acumulando para cada pessoa duas frutas. Percebi nesse exercício a necessidade de atenção para decorar a sequência e principalmente observar o rosto do colega quando dizia o nome de sua fruta, porque ajudava a associar a palavra.
   Era hora de contar história. 
   Deveríamos contar uma historia que vivemos, criamos ou lemos em algum lugar. Durante a história haveria um provocador que diria “DESENVOLVE” e nesse momento pararíamos na última palavra dita para desenvolver melhor uma descrição do objeto ou sensação. Continuaríamos ao ouvir o comando "SEGUE". Foi o meu exercício preferido do dia, porque percebi o quanto podemos melhorar a contação de nossas histórias e o quanto podemos enriquecê-la de detalhes e imagens.
   No segundo dia de oficina criamos uma orquestra com sons oralizados do nosso corpo. Cada um teve a oportunidade de ser maestro dessa orquestra. Tínhamos que ser generosos e construir com os colegas uma canção que alcançasse uma sonoridade interessante dentro do contexto diversificado de sons. Foi um momento bonito. Havia música nos nossos corpos.
   Começamos a criar imagens com os nossos corpos e os corpos dos colegas. Inicialmente deveríamos completar a imagem que o colega estava, mas depois tínhamos que em grupos de 5 encontrar uma imagem comum ao longo dos estímulos que Gustavo nos oferecia.
   Criamos em trios uma história sensorial.
  Deveríamos contar, sem usar as palavras, usando sons, movimentos e objetos que estavam a disposição. Nossos colegas de oficina escutavam a história de olhos fechados e ao final de todas deveríamos partilhar o que tínhamos ouvido para ver se correspondiam as expectativas do grupo. Foi um resultado positivo. Entendemos o essencial das histórias contadas e em algumas delas foi possível alcançar o real objetivo do grupo. Esse exercício fez percebe a necessidade de precisão na hora da execução, pois um barulho a mais fora do contexto poderia sugerir outras histórias aos que não viam o que acontecia.
   O último momento da oficina foi marcado pela construção de uma história em grupo utilizando os elementos que nos foram partilhados ao longo das horas de oficina. 
   Deveríamos criar um nome para a história com as ações que sugeriam o nosso nome no inicio da oficina. Criado o nome foi a hora da surpresa, na qual o grupo Clareira trocou os títulos e ficamos para criar uma história com o titulo sugerido por outros grupos. Dá para imaginar que os nomes das histórias ficaram engraçados, pois eram encontros de palavras que não imaginávamos como ficariam juntas.
   Foram histórias diversificadas e ricas em significado para aquele momento. Identificávamos muitos elementos que nos foram partilhados através dos jogos e exercícios. Estávamos finalizando uma etapa importante desse processo.
   Foi um momento rico para contadores de histórias. Tínhamos numa mesma sala professores, uma futura jornalista, atores e atrizes que vivenciam a contação de histórias como elemento fundamental do seu estar no mundo.
   O teatro infantil do nosso estado  também foi presenteado com a presença do Grupo Clareira de Teatro, nós que por aqui vemos muitas obras cheias de boas intenções quando a questão é teatro infantil, mas que deixam a desejar no cuidado e na formação dessa futura plateia de teatro, porque essas crianças um dia recordarão de suas experiências teatrais e poderão voltar ou não para o teatro.
   Falando em voltar ao teatro, André, filho da amiga chamada Cecília Tenório, assistiu ao grupo no dia de sua apresentação. Voltou ao teatro no dia seguinte para assistir aos Clowns de Quinta e fez questão de registrar em uma fotografia o seu encontro na fila do teatro com o grupo Clareira. Ficou encantado, ele e a mãe.
   Clareira nos trouxe uma oficina cheia de ludicidade, não poderia ser diferente. Esse é o universo que eles percorrem e é esse o universo das histórias que nos fazem crescer. É um grupo que nos faz repensar o fazer teatral para a infância e constroem um teatro que desperta a criança de muitos adultos. São puro afeto. São verdadeiramente esse teatro que eles constroem. Difícil não lembrar nossas conversas e momentos antes de retomar a oficina, nos quais continuavam a serem atuadores, crianças, humanos e afetuosos artistas dentro e fora do palco.
   Vamos guardar no coração e continuar esse aprendizado, porque o mundo precisa de histórias.
   Obrigado, Clareira! 
   Que as histórias nos encontrem e nos façam se encontrar de novo.
   Fica aqui esse registro de gratidão.

   Desenvolve...

Bruno Alves

20 abril 2015

"Encontro Giratório" Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas - NATA (BA)

Oficina “cada homem é uma raça”
   Dia 19 e 20 de abril aconteceu a primeira oficina do Palco Giratório 2015 aqui em Maceió. Foi realizada pelo Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas – NATA e claro que me inscrevi para conhecer o núcleo e o seu processo de criação.
Foto do acervo pessoal de Rochelli Messias

   Cada grupo que passa pelo Palco Giratório do SESC nos deixa muita coisa boa de sua experiência e certamente levam muitas coisas boas que descobrem em seu percurso giratório pelo Brasil.
   O NATA apresenta em suas ações uma presença religiosa muito forte, não é a toa que seu espetáculo se chama “Exu - a Boca do Universo”.
   Começamos a oficina e partilharam conosco o processo de alongamento e preparação do corpo para a cena aos cuidados e atenção de Fernando Santana. “Olhos abertos”  ele nos dizia e nos impulsionava a buscar o corpo atento, a presença de cena e o estar pronto mesmo atrás da coxia. Durante quase todo tempo do alongamento e aquecimento tínhamos uma trilha sonora composta por músicas das religiões de matriz africanas e era impossível não despertar em nós um corpo que se volta para a origem, para a busca de uma ancestralidade que muitas vezes se perde ao longo do caminho. Estou há um ano visitando o terreiro de Mãe Carla e Pai Jefresson aqui em Maceió e muitas vezes meu corpo queria acessar uma memória desses momentos vividos dentro da casa.
   Um dos exercícios mais marcantes da primeira manhã foi o da buscar por uma palavra que nos definisse e em seguida dançar essa palavra. Thiago Romero pediu para que imaginássemos uma folha em branco e escrevêssemos a palavra, colocássemos dentro de um circulo e perto dela alguém que gostamos muito. Por fim, pediu que escrevêssemos do lado de fora do círculo uma frase que gostaríamos de dizer a essa pessoa. As emoções transbordaram nessa hora. Eu não estava esperando que esse momento pudesse acontecer naquela manhã. O NATA nos levou para perto das nossas inquietações, dos nossos segredos e nos deu uma folha em branco para recomeçarmos tudo. Foi uma experiência religiosa, posso dizer, mas no sentido pleno da palavra, no sentido de religar as coisas e de preparar o nosso corpo e a nossa alma para o encontro que o teatro nos possibilita.
   Pensei em “Terra”. Terra elemento do meu signo. Terra da fertilidade. Terra mãe. Terra que bebe a água.  Água da Mãe Oxum. Mãe Maria de Nazaré. Mãe Rita que me colocou no mundo. Necessidade de se plantar no chão e deixar brotar junto com a natureza.
   “Agora conheço vocês” nos dizia Thiago ao perceber que o exercício que propôs exercia sobre nós um aspecto libertador e deixava transbordar as nossas vulnerabilidades.
   Durante a tarde aconteceu o segundo momento. Um momento de criação dramatúrgica, aliás, estávamos o tempo todo em processo de construção de dramaturgia. Durante a manhã havíamos criado partituras corporais em grupos de quatro pessoas e pela tarde continuaríamos trabalhando, só que dessa vez com a presença de mais um integrante do grupo que é apaixonado pelo Mia Couto, o núcleo gosta muito do Mia. Conversamos com Antonio Marcelo sobre a obra do autor e em seguida voltamos aos grupos com contos do Mia, aonde iríamos livremente acessar o universo do autor e compor uma proposta que dialogasse também com o nosso exercício da manhã.
   Havia na sala um dramaturgo. Este observava e digitava muito durante a oficina.
   Daniel Arcades estava atento as ações que fazíamos e as cenas que sugeríamos para assim trabalhá-las melhor no dia seguinte com uma proposta escrita a partir do que ele presenciou. Achei isso o máximo!
   Teatro que busca no ator um impulso de criador e possibilita um diálogo com o dramaturgo. É muito rica essa experiência. Nosso tempo de teatro convida atores e dramaturgos para construírem juntos na sala de ensaio. Lembrei bastante da pesquisa que venho fazendo em Dramaturgia em Processo Colaborativo. Vi naquela tarde que eu estava participando de um processo colaborativo com as hierarquias horizontalizadas, mas cada um assinando e sendo responsável por sua função.
   No último dia de oficina Daniel nos trouxe quatro propostas de cenas. Thiago realizou a leitura de todas elas e entregou aos seus respectivos grupos. Estávamos todos ali na escrita de Daniel. Estavam também Thiago, Fernando e Marcelo que nos provocaram muito durante os dias de oficina. Era resultado de muitas buscas. Uma palavra que procurava um corpo, um corpo que se entregava a uma palavra, a mente que se entregava a leitura do conto do Mia Couto, o sentidos que despertavam para construir livremente sobre as palavras do escritor e pedaços das nossas subjetividades. Daniel estava atento, estava ouvindo e vendo. Transportou para a escrita muitas frases que soltamos durante nossas conversas, durante a roda de apresentações e até mesmo a entrelinha dessas coisas que dizemos e achamos que não tem importância.
   Tínhamos uma hora para reafirmar aquelas palavras nas nossas partituras e na nossa voz. Apresentamos aos membros do grupo, fomos avaliados e tivemos mais quarenta minutos para unir todas às quatro cenas em um só espetáculo. Estava pronto o nosso ponto de partida para a construção de uma poética teatral. Ali naquela sala, nessas horas de oficina vivenciamos a busca pela expressão teatral e uma busca que parte do que nós somos e trazemos.
Foto extraída da página Artes Cênicas SESC -AL 

   Amanhã, dia 21, o NATA se apresenta no Teatro Deodoro. Vamos ter a oportunidade de ver de perto o resultado de uma busca coletiva que já começamos a entender pelo processo de sala de ensaio do grupo.
   Thiago terminou a oficina dizendo que “Nós escolhemos o teatro e o teatro escolhe a gente... Continuem!”. Estou desde então pensando nessa frase e sem muitos medos, querendo apenas continuar essa busca, essa expressão, esse teatro.
  A oficina continua, porque cada encontro marca, reflete e se estende para sempre em nossas vidas.
Voltem sempre a Maceió!




16 abril 2015

Solar (2º encontro)

Fotografia de Mayra Costa durante oficina de Karina May
no Encontro Nacional de Vídeo, Intervenção e Performance.

Hoje foi dia de mais um encontro para meditar com o Solar: Laboratório de Meditação.
Iniciamos Karina e eu, por volta das 14h na Sala Preta do Espaço Cultural da UFAL.
Era preciso começar cuidando do lugar aonde iríamos meditar. Limpar a sala com panos e água é um pré-aquecimento amoroso com o espaço que nos acolhe. Lembrou-me de grupos de teatro que sempre limpam o palco juntos antes de apresentar ao  público, disseram-me uma vez que o Galpão(MG) sempre limpa junto o palco, lembra-me também o cuidado com a terra do trabalhador (a) que limpa o solo antes de plantar a semente.
Fotografia de Mayra Costa durante oficina de Karina May 
no Encontro Nacional de Vídeo, Intervenção e Performance.

 Pode parecer uma coisa simples, mas o ato de limpar o lugar de ensaio tornou-se para mim uma forma de me encontrar com o espaço e estabelecer uma relação de conforto e liberdade para poder se entregar a ele. Falei para a Karina na primeira vez que fizemos isso que esse ato eu carregaria para sempre em minha vida. Limpar o espaço é hoje para mim a primeira forma de me desligar do ambiente que deixei antes de chegar para o ensaio/meditação e estar pronto, limpo e entregue ao que está por vir.
Durante a nossa primeira  hora eu iria trabalhar através da meditação questões como a escuta, os possíveis sons que meu corpo poderia produzir sem precisar da palavra, em seguida o movimento e o som se encontrando e estabelecendo um possível novo movimento e por último a pausa, o silêncio e a respiração.
Terminada essa parte Karina me solicitou que eu fizesse a cena do encontro de Severino e a Morte. Refletiu comigo as diferenças da minha apresentação após a meditação e fez-me lembrar da energia que a cena tem durante o espetáculo. Estava diferente e parecia mais lento numa energia que não correspondia ao que a cena pede. Pediu que eu repetisse a cena sem usar as palavras, aproveitando dos sons que eu havia encontrado ao longo da meditação. Uma nova energia surgia. Um novo movimento colado junto do corpo e aos poucos parecia ser difícil comunicar sem usar a palavra já estabelecida pelo texto, porém fui percebendo que podia comunicar com aquele gesto que dançava com a voz na busca por uma expressão. Nessa segunda vez senti que uma relação nova se estabelecia com a cena e a possibilidade de vivê-la dentro de um novo ritmo e som poderia ser despertada a partir daqueles sons-movimento que eu descobria. Eu tinha um corpo a serviço do som que esse movimento despertava. Estavam juntos, colados! Foi um exercício que me possibilitou perceber a unidade entre corpo que não se separa da palavra, nesse caso o som que vinha como um ato primitivo antes de se tornar verbo.

Meditar hoje foi uma oportunidade de desvendar e se permitir descobrir novas formas de falar. Tendo um corpo que se movimenta na métrica de uma voz que se descobre no desenvolvimento desse corpo.

Vem sendo muito proveitosas essas tardes experienciando a pesquisa da Karina May e assim entendendo também o quanto é possível ir mais longe com a voz, com o corpo e com a essência do personagem. Semana que vem tem mais e eu quero meditar!

Bruno Alves,
16 de Abril de 2015

15 abril 2015

Maratona das Artes Cênicas


Acredito que somos um resultado de tudo que vivenciamos, sejam as coisas boas e mesmo as ruins. Tudo nos ensina nessa vida e mesmo que não seja da melhor forma.
Essa semana fui ao SESC pegar alguns certificados das oficinas que participei no ano de 2014. Quando olhei para aqueles certificados fiquei imaginando o quanto de cada um daqueles momentos tinha nessa minha busca e na construção de “Volante”.
Quero deixar claro que embora seja bom o certificado, mas a experiência em si é o que mais vale a pena. Tive experiências maravilhosas com pessoas que tinham muito a compartilhar.
Esse texto é um agradecimento a cada oficineiro que passou por Maceió em 2014 e também um convite a vivenciar nos próximos dias o “Palco Giratório” do SESC. Gente, esse é um momento de festa para o nosso teatro.
Em 2014 tive a oportunidade de conhecer o processo de trabalho do Grupo Magiluth (PE). A oficina foi enriquecedora. Aqueles rapazes são afeto! O trabalho do grupo no palco é de tirar o fôlego! Desejo longa vida a essa arte maravilhosa.
A Cia. Gente Falante (RS) foi uma delicadeza e beleza que me encantou. Trabalhar com eles o teatro de objetos foi uma oportunidade de ampliar a visão para as inúmeras possibilidades de contar histórias.
O Desvio Coletivo (SP) além de partilhar conosco o seu processo de construção de performance e intervenção urbana, fez com que a gente pudesse ser parte da ação em Maceió. Foi lindo! Não esqueço!
Francis Madison (AM) quase nos matou (brincadeira!) com seus exercícios para o corpo. Trabalhar com ele a palavra-corpo foi um impulso dos grandes para fazer o corpo comunicar junto com a palavra. Foram dias incríveis de preparação para um leitura dramatizada.
Teve também o Grupo Oigalê (RS) que fez um circuito pelo nordeste independente do SESC. Que oficina! Que experiência! Politizados e incríveis! Fazem da rua um espaço para a arte pública. Eu amo!
Assisti a quase tudo que rolou no mês de maio, exceto pelos dias que realmente eu não podia ir, mas garanto a você: apreciar é muito importante! A gente aprende assistindo e falo apreciar de coração aberto, sem pedras prontas para atirar. É que tem gente que já chega armada e não relaxa, não curte a experiência teatral. Eu aprendi a duras penas que todo teatro é importante. Que vale a pena assistir e respeitar o colega que passou tempos se preparando.
Uma vez eu li uma carta de Clarice Lispector ao Fernando Sabino que ela contava para ele da experiência no exterior e das vezes que ia ao teatro. Dizia que assim que saia do teatro logo perguntavam a ela:
- O que achou?
Ela com toda sua sensibilidade, respondia:
- Eu não sei!
Marcelo Gianini me ensinava isso em uma de nossas conversas por e-mail. Falava-me da importância de deixar as coisas fluírem dentro da gente, pois assim como a vida, a peça precisa de tempo para assentar no nosso coração, tempo pra gente saber por que gosta e por que não gosta e tempo para gostar por  que gosta e ponto. Aliás, teatro é vida que corre nas veias.
Gosto de ir assim... Sem expectativas e pronto para todas as surpresas. Se gosto ou não, depois eu entendo. Tem tempo!

 Que nossos palcos e corações estejam abertos para receber essa maratona das Artes Cênicas! Vem coisas incríveis por ai! Não perco!
Viva o teatro!

Programação Completa aqui:

09 abril 2015

Solar (1º Encontro)


 Comecei hoje um momento muito importante nessa nova etapa do espetáculo “Volante” que recentemente estreou. Estou tendo a oportunidade de experienciar as ações do núcleo de pesquisa SOLAR:Laboratório de Meditação.
 Karina May, que já vem desenvolvendo um treinamento para o ator e a atriz que vise estimular o desenvolvimento das potencialidades e a descoberta criativa na construção cênica, me possibilitou nesse primeiro encontro um olhar mais próximo e fortalecedor dos resultados alcançados na construção cênica do espetáculo “Volante”.
 Apresentei o espetáculo na integra para ela que já tinha assistido na estreia.
 Conversei sobre o começo do processo, a busca por um treinamento, as referências que me levaram a criação da palavra-corpo, Karina observou todo o ritual de preparação para a cena e avaliou cada momento desde o alongamento. Assistiu a tudo com um olhar muito receptivo e acolhedor. Estava disposta a se envolver com o que assistia naquela tarde.
 Lembro quando via nascer o Solar: Laboratório de Meditação e as buscas de Karina para trazer as meditações do OSHO para dentro do corpo do ator, ou seria para fora?
 Ouvir suas palavras, perceber o seu olhar e sensibilidade me permitiram querer impulsionar cada vez mais essa carroça e o caminho desse andarilho.
 Anotamos pontos, observamos juntos as mudanças ocorridas da estreia para hoje, a respiração, o olhar... Senti-me convidado a acreditar muito mais no projeto, a nunca pensar em desistir e seguir viagem.
 A partir da próxima semana começamos as meditações.
 Hoje Karina observou os pontos que precisam ser trabalhados para que eu possa redescobrir a cena criada e criar novas cenas. No próximo encontro ela convidou todos os que participam da cena. Quer que músicos e eu meditemos juntos e encontremos essa mesma energia.
 Estou bastante feliz com essa oportunidade de partilha, aprendizado e curioso e confiante na pesquisa que Karina vem desenvolvendo. O importante é se permitir viver cada momento desses encontros que teremos durante as próximas semanas.
 Termino o dia com a sensação de tranquilidade e felicidade por essa parceria que está nascendo do Coletivo Volante com o Solar: Laboratório de Meditação.

 Vamos meditar! Vamos nos permitir!

 Obrigado, Karina!


Sua generosidade, sensibilidade e dedicação fizeram essa tarde muito especial em minha vida!