30 dezembro 2014

Carta ao meu amigo


Fiquei com receio de escrever esse texto, mas ele será uma homenagem.
Quando voltei de Portugal, logo nos primeiros dias, ao transitar de ônibus pela cidade eu tive a impressão de ver um amigo de infância na porta da empresa que ele trabalhava nos últimos anos. Não era ele. Soube dias depois que ele havia partido ainda quando eu viajava pelo mundo. Meu amigo decidiu ir morar com as estrelas.
Faziam meses que não nos falávamos. Estudamos juntos a quinta e sexta série. Sentamos lado a lado e compartilhamos ao longo daqueles dois anos muitos momentos felizes nessa fase de transição para a pré – adolescência.
Fui morar em outra cidade e voltei dois anos depois. Tempo em que ele veio morar em Maceió.  Nos desencontramos mais uma vez e tivemos poucos encontros nesses últimos anos, mas sempre que nos víamos revivíamos aquela lembrança mágica de um passado nunca esquecido.
Sofri bastante com sua partida, porque era meu primeiro amigo de lembranças tão importantes que eu via partir. Não nos despedimos. Nem sei o que ele viveu naqueles últimos dias, nem imagino o que o levou querer partir tão cedo. O que pensou, o que comeu... Sonhou?...
Tentei visitar sua mãe quando fui a Viçosa, mas não consegui. Fiquei do outro lado da rua vendo aquela varanda que tantas vezes o vi descer.
Esses dias fui visitar minha mãe e ela me trouxe uma caixa cheia de cartas, fotografias, livros e três diários que escrevi ao longo da adolescência. Comecei a rever as cartas e os diários. Confesso que foi uma experiência perturbadora de início, mas depois foi renovador.
Fui reparando em coisas que eram tão sofridas, segredos insondáveis e que hoje não representam dor alguma. Revivi amigos e amigas através das cartas e hoje nem sei por onde andam. Como essa vida dá voltas...
Num diário de quando tinha 10 anos encontrei um bilhete desse meu amigo. Destaquei e guardei comigo aquela lembrança daquele tempo da vida em que tudo era leve e doce, mesmo em meio aos conflitos que começavam a querer aparecer.
Não poderia nunca esquecê-lo e trazer sua lembrança nas linhas desse espetáculo que fala tanto de partidas, encontros e despedidas. Não poderia esquecê-lo agora que sei que "qualquer dia amigo a gente vai se encontrar"...

Meu amigo onde você estiver receba meu abraço.





23 dezembro 2014

Com que roupa que eu vou?


   Um ator deve ao menos saber costurar um botão, me dizia um dos mestres de teatro que encontrei pelo caminho. Prender botão, costurar remendos eu até aprendi com minha mãe, mas desenhar os moldes, cortar e costurar eu ainda estou descobrindo.
   Quero falar nesse texto sobre o uso das mãos. Usar as mãos, por a mão na massa, passar a mão no volante, pegar com as próprias mãos são expressões que venho refletindo ao longo dos últimos meses, porque querendo ou não usar as nossas mãos é um processo de libertação e repressão ao longo da nossa formação humana, aliás quem aqui nunca ouviu a expressão “não coloca a mão aí”?
   O primeiro insight que me veio nesse processo de construção do figurino foi o de pôr a mão na massa, ou melhor, no tecido. Usar as mãos é um desafio que me proponho com esse espetáculo. Comecei desenhando os figurinos e para isso pesquisei na internet modelos de croquis  que eu pudesse revestir com as roupas imaginadas. Entendi que o desenho não é o mais importante, pois o que vale é o conceito, a ideia que se quer propor. Ao mostrar os primeiros desenhos aos meus companheiros houve um estranhamento e acharam que não condizia com a proposta do espetáculo. Comecei a refletir sobre o que me diziam e sobre o ar de desgaste que me falavam para a representação desse figurino.

   “Cada figurino traz os dramas de seu personagem. Esse espetáculo me lembra a questão do tempo que tira a forma das coisas e que dá uma nova forma a elas” me dizia o professor Acioli Filho que no curso de Teatro Licenciatura lecionou a disciplina de Figurino. Era, portanto, preciso entender os dramas que carregava o meu “Severino” e seus companheiros para poder entender aonde essas linhas iriam levar. Acioli não me respondeu e-mails em que eu pedia ajuda desesperadamente e só depois entendi que o que ele queria dizer já havia dito em nossas conversas. Lembro quando dizia “Teste! Não tenha medo! Vá testando tudo!”.

   Rosane Muniz , autora do livro "Vestindo os nus", em seu blog do mesmo nome, diz que: 


“O figurino torna-se uma roupa, dá um depoimento sobre a pessoa que o usa e, indiretamente, sobre o panorama no qual aparece. Nesse caso, ele pode, e deve, exibir o seu desgaste, a sua sujeira, falar do status social e da situação real do personagem.”

   Era tempo de começar a testar tudo!
   O primeiro passo foi uma campanha aqui no blog e no facebook de coleta de roupas e materiais para a visualidade do espetáculo. Em seguida comecei a coletar no lixo e até mesmo ir aos pontos de recolhimento de material reciclado. Brechó foi meu último caminho e no qual eu pude encontrar o que não havia conseguido recolher com a campanha. Eu olhava para o lixo nas ruas e já sabia o que poderia tirar daquelas coisas.

Caminhos que começavam a surgir
O varal de casa já anunciava caminhos.



   Tendo em mãos o material comecei o processo de entendimento da cor do espetáculo. Começava a arte de desconstruir como principio de concepção do figurino. Vitor Leão me dizia que via nessa história as cores terrosas e a busca por essas cores tornou-se um exercício que fiz em casa nas últimas semanas.
   Passei a tingir tecidos com tinta, café, chás e terra na busca por cores e estruturas desgastadas. Tudo em buscas pela internet e receitas fáceis de descolorir, colorir e colorir com coisas naturais.
   Pintadas as roupas era a hora de encontrar a forma delas no corpo. Revirei do aveso, cortei, cortei de novo, vesti de outra forma, tingi de novo até encontrar um caminho.
   Eram exercícios nas madrugadas nas quais tinha a companhia e os olhos de meu companheiro Nivaldo Vasconcelos que passava a tesoura sem medo de ser feliz.
   Cheguei a um resultado sonhado, inesperado e bonito. Sei que a sua forma vai se dá no uso, no palco e no contato do corpo com o publico. Aí sim terei sua forma mais bela.
   Por enquanto posso dizer que as coisas são possíveis e que por a mão no volante é o primeiro passo para as coisas começarem a caminhar.
   O ano está terminando. Quero ir para o palco logo.
   Logo assim que o ano de 2015 começar.
   Nosso encontro está cada dia mais perto e o coração já fica querendo saltar!

Um grande abraço a todxs vocês e até breve!

Web referência:
Rosane Muniz, Como manda o figurino. Disponível em:
http://vestindoosnus.com.br/sobre_figurino/como-manda-fig.htm

01 dezembro 2014

Pode me chamar de ...

Escolher um nome é sempre uma decisão difícil.
Fico imaginando como pais e mães escolhem os nomes dxs filhxs, porque dependendo da escolha, já que se pode mudar o nome legalmente, essx filhx levará o nome para o resto da vida.
Um nome para um personagem é um nome para sempre. Esse nome surge e o acompanha, dá forma e vida ao seu caminho na terra. Geralmente eu escrevo sem nomes para os meus personagens, porque dar um nome é colocar alguém dentro de uma história que aquele nome traz consigo.
Eu tive uma fase de assinar em cartinhas com os nomes dos meus avôs, depois tive uma fase de abominar o diminutivo do meu nome querendo ele simplesmente como é. Eu fui criando uma aversão ao sufixo “inho” por que era uma construção ao longo da vida e não uma escolha.
Escolher, por exemplo, um nome artístico é uma escolha difícil também, mas é um momento em que tenho a plena liberdade de escolher como quero ser chamado.
Casar faz a gente mudar de nome, acrescentar outro nome, hoje já não é obrigatório, mas isso é uma mudança que me deixa curioso. Por que cada nome é uma história. Receber outro nome é positivo também, porque nessa ocasião eu junto a minha história com a história de alguém e escrevemos a nossa nova história com um novo nome.
Engraçado observar a fase da adolescência na qual eu tinha uma busca por me reconhecer no próprio nome, de criar um nome que me representasse em cada momento. Toda semana eu pintava o cabelo e junto eu mudava de nome. Hoje aos 27 anos finalmente assino meu nome por inteiro sem mais nenhuma questão com ele e deixo meu cabelo crescer e encontrar a sua forma própria.
Carlos Drummond de Andrade tinha uma paixão por nomes.  O poema “José” foi um dos primeiros que declamei em publico e o mesmo autor me mostrou uma nova forma de ver o mundo ao pronunciar em seu “poema de sete faces” o nome Raimundo.
Gostava também do sobrenome Tatipirun por causa da “Terra dos Meninos Pelados” do Graciliano Ramos. Parecia um lugar tão bom de ser viver que nos tempos de Orkut eu assinava o perfil como Raimundo de Tatipirun, mas se chamar Raimundo seria uma rima e não uma solução nesse momento de escrita do texto Volante.
Meu anti-herói por pouco não se chamou Chico por devoção ao santinho querido de Assis. Quase que batizei de Miguilin por estar lendo no tempo a obra Campo Geral de Guimarães Rosa, porém dentre tantos nomes e significados ao longo da nossa história literária eu escolhi chamá-lo de Severino. Meu personagem já nascia Severino.
Ao ler a obra de João Cabral de Melo Neto sempre me emocionei com a poesia que brotava em cada verso e a tentativa do personagem se apresentar definindo o seu nome em meio a tantos com o mesmo nome naquele lugar.
Definir-se Severino era ao mesmo tempo uma necessidade de decifrar o que há de severo nessa vida que se mostra e se esconde como água correndo nas mãos ...
O meu Severino acabava de nascer. Estava saltando nas linhas do caderno, mas já vinha há anos caminhando pelo mundo, desde quando nasci.
Fotografia de Nivaldo Vasconcelos


 “- De sua formosura
deixa-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa”

Esse trecho da obra de seu João me acompanhou nos últimos anos. Fez-me rir e chorar ao lembrar que a vida é sempre mais forte e que o sim é maior que o não. Eu tenho paixão pelo “Sim”. Eu disse sim!
Tenho lido outras obras teatrais e visto nos autores nordestinos essa busca, essa resignificação do sujeito “Severino” e percebo que cada um carrega um “Severino” dentro de si. Eu me perguntava: “Por que mais um Severino?” e eu me respondia: “Somos muitos Severinos”.
Severino, o meu retirante, alagoano, andarilho, contador e catador de histórias é para mim belo como um sim numa sala negativa. É uma gota de vida que escorre numa vida severa cheia de salas negativas. É uma busca por um lugar, por um reencontro com tantos nomes que a vida o deu.
É um perder-se e achar-se dizendo sim, sempre sim!