01 dezembro 2014

Pode me chamar de ...

Escolher um nome é sempre uma decisão difícil.
Fico imaginando como pais e mães escolhem os nomes dxs filhxs, porque dependendo da escolha, já que se pode mudar o nome legalmente, essx filhx levará o nome para o resto da vida.
Um nome para um personagem é um nome para sempre. Esse nome surge e o acompanha, dá forma e vida ao seu caminho na terra. Geralmente eu escrevo sem nomes para os meus personagens, porque dar um nome é colocar alguém dentro de uma história que aquele nome traz consigo.
Eu tive uma fase de assinar em cartinhas com os nomes dos meus avôs, depois tive uma fase de abominar o diminutivo do meu nome querendo ele simplesmente como é. Eu fui criando uma aversão ao sufixo “inho” por que era uma construção ao longo da vida e não uma escolha.
Escolher, por exemplo, um nome artístico é uma escolha difícil também, mas é um momento em que tenho a plena liberdade de escolher como quero ser chamado.
Casar faz a gente mudar de nome, acrescentar outro nome, hoje já não é obrigatório, mas isso é uma mudança que me deixa curioso. Por que cada nome é uma história. Receber outro nome é positivo também, porque nessa ocasião eu junto a minha história com a história de alguém e escrevemos a nossa nova história com um novo nome.
Engraçado observar a fase da adolescência na qual eu tinha uma busca por me reconhecer no próprio nome, de criar um nome que me representasse em cada momento. Toda semana eu pintava o cabelo e junto eu mudava de nome. Hoje aos 27 anos finalmente assino meu nome por inteiro sem mais nenhuma questão com ele e deixo meu cabelo crescer e encontrar a sua forma própria.
Carlos Drummond de Andrade tinha uma paixão por nomes.  O poema “José” foi um dos primeiros que declamei em publico e o mesmo autor me mostrou uma nova forma de ver o mundo ao pronunciar em seu “poema de sete faces” o nome Raimundo.
Gostava também do sobrenome Tatipirun por causa da “Terra dos Meninos Pelados” do Graciliano Ramos. Parecia um lugar tão bom de ser viver que nos tempos de Orkut eu assinava o perfil como Raimundo de Tatipirun, mas se chamar Raimundo seria uma rima e não uma solução nesse momento de escrita do texto Volante.
Meu anti-herói por pouco não se chamou Chico por devoção ao santinho querido de Assis. Quase que batizei de Miguilin por estar lendo no tempo a obra Campo Geral de Guimarães Rosa, porém dentre tantos nomes e significados ao longo da nossa história literária eu escolhi chamá-lo de Severino. Meu personagem já nascia Severino.
Ao ler a obra de João Cabral de Melo Neto sempre me emocionei com a poesia que brotava em cada verso e a tentativa do personagem se apresentar definindo o seu nome em meio a tantos com o mesmo nome naquele lugar.
Definir-se Severino era ao mesmo tempo uma necessidade de decifrar o que há de severo nessa vida que se mostra e se esconde como água correndo nas mãos ...
O meu Severino acabava de nascer. Estava saltando nas linhas do caderno, mas já vinha há anos caminhando pelo mundo, desde quando nasci.
Fotografia de Nivaldo Vasconcelos


 “- De sua formosura
deixa-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa”

Esse trecho da obra de seu João me acompanhou nos últimos anos. Fez-me rir e chorar ao lembrar que a vida é sempre mais forte e que o sim é maior que o não. Eu tenho paixão pelo “Sim”. Eu disse sim!
Tenho lido outras obras teatrais e visto nos autores nordestinos essa busca, essa resignificação do sujeito “Severino” e percebo que cada um carrega um “Severino” dentro de si. Eu me perguntava: “Por que mais um Severino?” e eu me respondia: “Somos muitos Severinos”.
Severino, o meu retirante, alagoano, andarilho, contador e catador de histórias é para mim belo como um sim numa sala negativa. É uma gota de vida que escorre numa vida severa cheia de salas negativas. É uma busca por um lugar, por um reencontro com tantos nomes que a vida o deu.
É um perder-se e achar-se dizendo sim, sempre sim!

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