23 dezembro 2014

Com que roupa que eu vou?


   Um ator deve ao menos saber costurar um botão, me dizia um dos mestres de teatro que encontrei pelo caminho. Prender botão, costurar remendos eu até aprendi com minha mãe, mas desenhar os moldes, cortar e costurar eu ainda estou descobrindo.
   Quero falar nesse texto sobre o uso das mãos. Usar as mãos, por a mão na massa, passar a mão no volante, pegar com as próprias mãos são expressões que venho refletindo ao longo dos últimos meses, porque querendo ou não usar as nossas mãos é um processo de libertação e repressão ao longo da nossa formação humana, aliás quem aqui nunca ouviu a expressão “não coloca a mão aí”?
   O primeiro insight que me veio nesse processo de construção do figurino foi o de pôr a mão na massa, ou melhor, no tecido. Usar as mãos é um desafio que me proponho com esse espetáculo. Comecei desenhando os figurinos e para isso pesquisei na internet modelos de croquis  que eu pudesse revestir com as roupas imaginadas. Entendi que o desenho não é o mais importante, pois o que vale é o conceito, a ideia que se quer propor. Ao mostrar os primeiros desenhos aos meus companheiros houve um estranhamento e acharam que não condizia com a proposta do espetáculo. Comecei a refletir sobre o que me diziam e sobre o ar de desgaste que me falavam para a representação desse figurino.

   “Cada figurino traz os dramas de seu personagem. Esse espetáculo me lembra a questão do tempo que tira a forma das coisas e que dá uma nova forma a elas” me dizia o professor Acioli Filho que no curso de Teatro Licenciatura lecionou a disciplina de Figurino. Era, portanto, preciso entender os dramas que carregava o meu “Severino” e seus companheiros para poder entender aonde essas linhas iriam levar. Acioli não me respondeu e-mails em que eu pedia ajuda desesperadamente e só depois entendi que o que ele queria dizer já havia dito em nossas conversas. Lembro quando dizia “Teste! Não tenha medo! Vá testando tudo!”.

   Rosane Muniz , autora do livro "Vestindo os nus", em seu blog do mesmo nome, diz que: 


“O figurino torna-se uma roupa, dá um depoimento sobre a pessoa que o usa e, indiretamente, sobre o panorama no qual aparece. Nesse caso, ele pode, e deve, exibir o seu desgaste, a sua sujeira, falar do status social e da situação real do personagem.”

   Era tempo de começar a testar tudo!
   O primeiro passo foi uma campanha aqui no blog e no facebook de coleta de roupas e materiais para a visualidade do espetáculo. Em seguida comecei a coletar no lixo e até mesmo ir aos pontos de recolhimento de material reciclado. Brechó foi meu último caminho e no qual eu pude encontrar o que não havia conseguido recolher com a campanha. Eu olhava para o lixo nas ruas e já sabia o que poderia tirar daquelas coisas.

Caminhos que começavam a surgir
O varal de casa já anunciava caminhos.



   Tendo em mãos o material comecei o processo de entendimento da cor do espetáculo. Começava a arte de desconstruir como principio de concepção do figurino. Vitor Leão me dizia que via nessa história as cores terrosas e a busca por essas cores tornou-se um exercício que fiz em casa nas últimas semanas.
   Passei a tingir tecidos com tinta, café, chás e terra na busca por cores e estruturas desgastadas. Tudo em buscas pela internet e receitas fáceis de descolorir, colorir e colorir com coisas naturais.
   Pintadas as roupas era a hora de encontrar a forma delas no corpo. Revirei do aveso, cortei, cortei de novo, vesti de outra forma, tingi de novo até encontrar um caminho.
   Eram exercícios nas madrugadas nas quais tinha a companhia e os olhos de meu companheiro Nivaldo Vasconcelos que passava a tesoura sem medo de ser feliz.
   Cheguei a um resultado sonhado, inesperado e bonito. Sei que a sua forma vai se dá no uso, no palco e no contato do corpo com o publico. Aí sim terei sua forma mais bela.
   Por enquanto posso dizer que as coisas são possíveis e que por a mão no volante é o primeiro passo para as coisas começarem a caminhar.
   O ano está terminando. Quero ir para o palco logo.
   Logo assim que o ano de 2015 começar.
   Nosso encontro está cada dia mais perto e o coração já fica querendo saltar!

Um grande abraço a todxs vocês e até breve!

Web referência:
Rosane Muniz, Como manda o figurino. Disponível em:
http://vestindoosnus.com.br/sobre_figurino/como-manda-fig.htm

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