30 julho 2017

"Versos volantes pela cidade" - "O livro sobre nada"

Prêmio Eris Maximiano: Volante de praça em praça.
"Versos volantes pela cidade".
Cada visita inspira poesia. Vamos a primeira!

"O livro sobre nada" de Manoel de Barros

Assista aqui:






29 julho 2017

Prêmio Eris Maximiano: 8º Passo - Vila dos Pescadores de Jaraguá

Eu estava diante de uma mulher.

Estava diante de um simbolo.


Enaura Nascimento é para mim o exemplo mais forte de resistência e força dentro da cidade de Maceió.



Ela junto aos moradores da Vila dos Pescadores do Jaraguá protagonizaram um dos momentos mais fortes de luta contra o desrespeito com a memória e história de um lugar.

Enaura nasceu e cresceu naquele lugar. Fez sua vida, seus caminhos, sua família e sua história com a comunidade. Ela é um presente para essa cidade.

A vila existia há quase 60 anos.



Cheguei no condomínio onde hoje habitam os antigos moradores da Vila e comecei a percorrer o espaço. Queria encontrar Enaura. Não sabia notícias dela desde o despejo violento da Vila. Queria saber como é estar agora naquele lugar.


Atual local onde residem os moradores da Vila dos Pescadores


Condomínio 



Estive na Vila durante uma das virgílias do "Abrace a Vila". Eram mais de 22h e eu percorria os espaços de lá sem medo. Não havia violência, haviam pessoas em suas casas assistindo TV com portas abertas, conversando nas portas e sempre com um clima de tensão de a qualquer momento a polícia chegar e revirar tudo.

Salão do Tiririca improvisado no condomínio 


Com muito esforço Enaura junto aos moradores da Associação dos Moradores do Jaraguá - AMAJAR conseguiram implantar um ponto de cultura. Havia espaço para aulas de percussão, pinturas em tela, aulas de ballet, dentre outras atividades. O ponto tinha a sua sede organizada com cadeiras e tendas para quando fossem feitas exposições dos trabalhos realizados pelas crianças. Havia muita vida. Vida brotando na beira do mar.




Arquivo pessoal de Enaura das atividades do Ponto de Cultura


A prefeitura foi tentando muitas vezes entrar com ações na justiça para retirar os moradores de lá para direcionar para esse novo condomínio que fica perto do Trapiche. Algumas pessoas atenderam ao pedido. 

Enaura resistiu.

Arquivo Pessoal de Enaura das Atividades do Ponto de Cultura


Gabryela Borges dando aula de Ballet na Vila






Do lado de fora da Vila era comum ouvir comentários que seria melhor a transferência do lugar, pois era uma paisagem "feia" para a cidade, era como diziam: uma "favela".

Maceió tem em sua essência a necessidade de limpar a cidade. Houve tempos, por exemplo, que jovens de classe média queimavam moradores de rua vivos enquanto dormiam nas calçadas. Maceió é uma cidade que gosta de limpeza na vista e esconder a poeira debaixo do tapete é sempre a escolha mais fácil.

O Paraíso das águas é inferno para muita gente.

Lá na Vila haviam condições precárias de saneamento básico, por exemplo. Mas quem tem interesse em tornar o espaço de convívio das pessoas mais digno? É mais fácil dizer que as estruturas são precárias do que possibilitar uma qualidade de vida melhor no lugar que as pessoas escolheram para viver. Quanto mais dificuldades forem postas mais fácil as pessoas vão desistir e se render ao que os que governam desejam.

Enaura e Genivaldo




Foi brutal a retirada dos moradores.

É muito simples para os governantes ou a classe média que precisa limpar a vista para poder enxergar melhor a paisagem achar a retirada dos moradores da Vila um grande benefício para eles, mas aquele lugar é um espaço de memória, pois Enaura, por exemplo, nasceu e cresceu por ali. 

Casa é lugar de memória e afeto, casa mora em nós, como escreveu Bachelard:

"Nossa alma é uma morada. E quando nos lembramos das
"casas", dos "aposentos", aprendemos a "morar" em nós mesmos. Vemos logo
que as imagens da casa seguem nos dois sentidos: estão em nós assim como nós
estamos nelas."


Conversando com Enaura eu via a memória viva de seu lugar. Via também olhos tristes que só quem percebe como o mundo anda girando pode ter. Enaura habita o condomínio agora, mas sua alma faz morada na Vila.

Dentro de Enaura faz morada a doçura e a "força que nunca seca". Maceió não lhe tirou o sorriso e nem a coragem.

A questão é muito mais dolorosa do que você que agora ler pode imaginar. Lá na Vila as crianças aprendiam o ofício com seus pais. Ajudavam nas pequenas tarefas, tinham uma parte do dinheiro para comprar seus doces e brinquedos. As moças e rapazes tinham a oportunidade de ter sua renda e comprar perfumes e fazer chapinha no cabelo, como me deu como exemplo Enaura. Não havia ali necessidade de pedir dinheiro na rua, porque existia sustentabilidade.


Enaura e Genivaldo 

Hoje para poder pescar é preciso de madrugada pegar lotação para chegar ao local. Uma lotação deve estar em torno de R$4. Depois que se pesca pega-se mais uma para levar ao Mercado e assim o que antes era feito na porta de casa demanda uma nova logística que afeta também o financeiro e o estado físico das pessoas.

Lá no condomínio tem uma creche. Hoje estava muito movimentado por ser final de semana e as pessoas aproveitarem para farrear.

O Ponto de Cultura que foi demolido encontra-se com seu material de uso guardado no CENARTE, pois lá no condomínio não existe uma sala para o ponto de cultura e muito menos para a Associação poder se reorganizar.

Enaura me mostrava fotos do Ponto de Cultura em ação. Assistimos a um documentário feito pelo Instituto de Psicologia da UFAL sobre o processo de resistência e luta. Enaura me disse que sempre chorava quando assistia e que dificilmente consegue retornar a Vila dos Pescadores. 

"(...) a casa não vive somente o dia-a-dia, no fio de uma história, na narrativa
de nossa história. Pelos sonhos, as diversas moradas de nossa vida se interpenetram
e guardam os tesouros dos dias antigos. Quando, na nova casa, voltam as
lembranças das antigas moradias, viajamos até o país da Infância Imóvel, imóvel
como o Imemorial" BACHELARD


Retornar a Vila é para ela um retorno de tudo que foi vivido ao longo de sua vida e principalmente no dia do despejo. 

Enaura me contou que estava lá diante da polícia e dos servidores da prefeitura no momento em que viu sua casa sendo demolida. Assistindo ao documentário observávamos o rosto de uma policial durante a ação. Havia naquele rosto um conflito interno evidente. Ela parecia entender o que estava fazendo, mas era obrigada a fazer, enquanto outros faziam sem pensar, porque o "importante" era retirar aquela "mancha" da orla maceioense.

Casa é coisa séria. Não existe ninguém que nos diga onde devemos morar. Nós sabemos onde fazemos morada. Casa a gente escolhe, a gente ressignifica.

"Nessas condições, se nos perguntassem qual o benefício mais precioso da
casa, diríamos: a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa nos
permite sonhar em paz. " BACHELARD


Poucas coisas nos são permitidas nesse nosso tempo. Sonhar, por exemplo, em ter a Vila como um espaço cheio de condições dignas para se viver não caberia na cabeça dos governantes e dos empresários que dominam a cidade. 

Não há lugar para o sonho em Maceió. 

O sonho é feito na base da resistência, da re-existência de pessoas como Enaura que tem consciência que merece o melhor.

Quando vim morar em Maceió percebia e percebo as separações da cidade. O como ela nos educa para se comportamos de tal maneira, de irmos apenas a tais lugares... 

Maceió divide a gente. 

Tem lugar para rico e tem pouco lugar para pobre. Paulo Freire escreveu que:

" A cidade
é cultura, criação, não só pelo que fazemos nela e
dela, mas pelo que criamos nela e com ela, mas também
é cultura pela própria mirada estética ou de espanto, gratuita,
que lhe damos. A cidade somos nós e nós somos
a cidade”

Nós somos essa cidade que precisa ser educada. Já não nos cabe esse espaço de ter que estar dentro dela como disseram que deveríamos estar. Talvez resida aí a minha ainda falta de afeto com Maceió, porque dentro dela eu ainda não consigo me mover. Ela me educa para parar, para ficar quieto. Não quero essa cidade. Não consigo fazer morada nela desse jeito. É por isso também que nasceu esse projeto para apresentar o espetáculo "Volante" pela cidade. Para encontrar as pessoas que ressignificam o lugar, as pessoas que são a Maceió mais bonita e invisível, ofuscadas pelas praias.


"A Cidade somos nós também, nossa
cultura, que, gestando-se nela, no corpo de suas tradições, nos faz e nos refaz. Perfilamos a
Cidade e por ela somos perfilados." FREIRE


A cidade pode também ser educada. Ações como as ciclovias, a faixa azul,a ocupação das praças, o assumir-se viado, o respeito e direitos xs trans, travestis, deficientes, idosos, crianças... São passos que vem a cada dia mostrando que podemos viver melhor dentro desse lugar. Que ele pode ser refeito através das nossas ações, das nossas formas de ver o outro e aceita´- lo, respeitá-lo e amá-lo em sua diferença. Aliás, cidade é lugar que brota a diferença. Complicado é quando querem padronizar o nosso movimento dentro dela.

Maceió tem uma grande educadora.

Enaura, uma mulher negra, periférica, estudante de Direito, mãe, esposa... Ensinou para Maceió o que é ser cidade. 

Enaura nos educou com sua força. Maceió ainda não aprendeu, mas ela está aí de pé, cabeça erguida e pronta para resistir.

Enaura desconstruiu um velho ditado popular quando disse:

"Quem pode manda;
Quem tem juízo resiste e luta"

Enaura eu te agradeço por me ensinar a ser cidade, por abrir as portas de sua morada para mim na tarde hoje e quando escrevo morada é de alma que estou falando e nós que te admiramos sabemos onde está sua morada.

Enaura é inspiração. É a parte mais linda de Maceió.


O espetáculo "Volante" voltará ao condomínio em setembro e de lá transformará a história da Vila em cena do espetáculo para ser contada no bairro seguinte.

Deixo abaixo o documentário que Enaura me apresentou. É emocionante.

Viva Enaura! 
Viva a Vila dos Pescadores do Jaraguá!
Para sempre Vila!

Bruno Alves

Referências:
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço;
FREIRE, Paulo. Política e Educação.

Documentário
Quem tem juízo resiste e luta(2015)



Direção: Marcos Ribeiro Mesquita

Co-direção: Simone Maria Hüning

Roteiro: Alfredo Pontes, Alvandy Frazão, Amanda Feitosa, Felipe Miranda, Gabriel Nascimento, Jaqueline Lira, Marcos Ribeiro Mesquita, Maria Nativa Rodrigues e Rafael Fernandes. 

Produção: Alfredo Pontes, Alvandy Frazão, Amanda Feitosa, Felipe Miranda, Gabriel Nascimento, Jaqueline Lira, Marcos Ribeiro Mesquita, Maria Nativa Rodrigues e Rafael Fernandes.

Montagem: Alvandy Frazão, Amanda Feitosa, Jaqueline Lira, Marcos Ribeiro Mesquita e Maria Nativa Rodrigues.

Finalização: Alvandy Frazão, Amanda Feitosa, Felipe Miranda, Gabriel Nascimento, Jaqueline Lira, Marcos Ribeiro Mesquita, Maria Nativa Rodrigues, Rafael Fernandes e Simone Maria Huning. 

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"Volante" de praça em praça é um projeto de circulação por dez comunidades de Maceió. Apresentando o espetáculo e encontrando histórias e pessoas que ressignificam a cidade. As histórias encontradas serão transformadas em cena que irão ser contadas pelo personagem ao longo da jornada.






28 julho 2017

Prêmio Eris Maximiano: 7º Passo - Pontal da Barra


Não te apresses em enxergar a poesia nas coisas.



Adélia Prado diz que "As vezes Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo".

Andar observando e buscando um outro olhar sobre os caminhos é tarefa difícil. Principalmente quando a vida nos aborrece com uma gripezinha, por exemplo.

As histórias que busco nessa jornada de escolha de espaços na cidade para apresentar o espetáculo muitas vezes, e na maioria delas, aparecem quando eu menos as quero e espero. É como um vento que passa ligeiro e pronto. É aquela história.


Para chegar ao Pontal é preciso passar por debaixo do Arco-Íris


O intuito do projeto é conhecer as pessoas que fazem essa cidade, que ressignificam os seus lugares, que trabalham duro todos os dias, que vivem muitas vezes em condições desfavoráveis, mas estão lá de pé e de olhos atentos, porque "é preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte".



Não são entrevistas o que venho buscando. São olhares que revelam mais que mil palavras.

São movimentos. 

É o andar, o sorrir, o estar sério e de repente aparecer a nuance delicada de doçura brotando no rosto.

Artesanato e Pescaria são fontes de renda no Bairro

Eu busco me revelar nesse encontro, nessa peça de teatro, nesse caminho que escolhi. Quero a revelação do outro também, porque quando ela acontece existe o verdadeiro encontro, a verdadeira experiência. Eu quero a experiência.

Eu hoje me disse em pensamento:
Antes de falar escute primeiro o som das águas da Lagoa Mundaú. Escute como ela acaricia o barco que com ela dança delicadamente.


Não pergunte ao pescador de onde vem o peixe, ou como ele faz para pesca-lo. Aceite antes provar o peixe frito na boca.

Não conte quantas remadas ele deu para atravessar a lagoa. Aceite o ritmo e a força do abraço do remo dentro da água.

Não olhe a beleza dos bordados de filé e de renascença do Pontal imaginando como ficariam bem em seu vestuário ou na sua casa. Olhe o que está por trás do bordado. A linha mais fina que tece aquela beleza.




A linha mais escondida é a que sustenta e guarda os segredos mais simples da vida. Imagine a mão tecendo, a mão que foi ficando enrugada, a mão que esqueceu de pintar as unhas em algum momento, a mão que estava atenta a panela no fogo e as crianças brincando na rua. Imagine esse bordado vindo de dentro, do corpo, da alma. 

Não haverá preço no mundo que pague. 



Eu hoje parecia só enxergar a "pedra". Andei pelas ruas em silêncio. Hoje não senti vontade de conversar. Queria estar ali e ver a vida acontecendo. Haviam muitos turistas e eu queria ser invisível para poder enxergar melhor. Não queria ser turista. Queria ser alguém que resolver estar ali para viver aquele instante eterno.



Sentei na beira de um pequeno cais de onde saem os barcos para visitar as ilhas. Ali era o lugar que mais havia me tocado desde então. Havia silêncio e alguns pescadores ao longe conversando entre si. Perguntei de quem eram os barcos que estavam perto do cais. Um senhor me indicou a casa do dono e fui até lá.

Era "Seu Eduardo" que na hora abria a porta de casa irritado com alguma coisa da sua vida particular. Ele nem me viu e passou falando sozinho, reclamando em tom audível. Não tive coragem de pará-lo. Eu estava vendo ele humanizado, irritado, seguindo seu caminho. Ele não me viu.

Fui a Associação dos Pescadores e conversei com Maria sobre o espetáculo. Ela foi muito receptiva e me deu total apoio.

Bar e lanchonete


Sentei num bar que fica com uma balsa no meio da praça. Bebi um refrigerante e fiquei ali olhando e sem nenhum pesamento exato na cabeça. Estava olhando pra pedra e vendo a pedra.Isso me deixa furioso,mas eu precisava entender que as coisas acontecem e que eu não controlo a vida.



Um senhor se aproximou de mim e me trouxe um bolinho de peixe para que eu provasse. Fiquei surpreso. Provei. Agradeci e ele me disse:
"Seja bem vindo!".

Não foi diferente dos momentos seguintes. As pessoas sorriam. Falavam comigo e me explicavam onde pegar ônibus, por exemplo, com muita paciência e prestatividade.

"Nosso Pontal"

Sentei para escrever perto dos barcos de "seu Eduardo". Já estava pronto para guardar o caderno e ir embora, quando ele apareceu.

"Fique a vontade" - me dizia.

Na mesma hora eu falei:
"Quero apresentar um espetáculo aqui".

Ele me olhou e perguntou do que se tratava.

"É interessante. Venha mesmo. Se quiser lhe empresto o barco e no final damos uma volta com todo mundo".

Fiquei sem palavras e agradeci a generosidade. Ele pegou o barco e seguiu pela lagoa. Foi seguindo até eu não mais alcança-lo na vista. Eu via "seu Eduardo" com mãos cheias de histórias e rugas que me diziam tanto sobre ele sem que ele precisasse me falar nada.

Seu Eduardo seguindo

Pegou seu barco e saiu. Uma cena bonita. Ver aquela intimidade com a água, ver como eles dançavam juntos e se entendiam. A água trazia calma para seu Eduardo e para mim também.

Conheci dois "Eduardos" em questão de minutos, o inquieto e o cheio de doçura, porque a pedra nem sempre é pedra. É poesia.

O Circo Horizonte está na comunidade


Voltei aliviado por encontrar um lugar vivo e cheio de beleza.Um lugar que trânsita entre  o constante fluxo turístico e a beleza das pessoas que se revelam a cada olhar e sorriso.

Redes confeccionadas pelos pescadores

Já morei em um lugar onde passavam muitos turistas e os moradores tinham resistência em se abrir para quem estava de passagem. Lá no Pontal a presença de turistas é fonte de renda através dos pescados e dos bordados, mas também é singeleza revelada no cotidiano repleto de gente nas calçadas proseando, tomando cerveja, vendo o pôr do sol. 





O pôr do sol do Pontal se derramando na Lagoa Mundaú é uma das coisas mais lindas que já tive a oportunidade de vivenciar.

Voltamos em breve, Pontal! Você é lindo!

Bruno Alves

Esse projeto foi aprovado com o Prêmio Eris Maximiano de 2015.




27 julho 2017

Prêmio Eris Maximiano: 6º Passo: Ipioca


Chegamos ao Bairro de Ipioca.

Um começo de tarde ensolarado e abafado. Para mim que estava gripado já não era fácil suportar a quentura.



Seguimos de ônibus, Rayane e eu. E por alguns instantes dormi. Tempo suficiente para passarmos do ponto de decida.

Pegamos a integração que levaria ao Alto de Ipioca, por lá tínhamos encontro marcado com Jasiel Pontes, presidente da Associação dos Moradores do Bairro de Ipioca.

Ao percorrermos o bairro e seu clima interiorano conversávamos com as pessoas para saber a sede da associação.

"Qual delas?" - Perguntavam - nos e foi aí que ficamos sabendo da existência de outras lideranças dentro da comunidade.

Escolhemos a que Jasiel preside por conta de seu histórico que conhecemos pela televisão e nas reuniões da prefeitura. Ele é sempre uma voz ativa lá dentro. 

Encontramos a sede. Ruas asfaltadas com paralelepípedos. Muito tempo que não via por aqui.



Encontramos Jasiel dentro da Associação e conversamos muito durante a tarde.



Fui pesquisar na internet o significado da palavra Ipioca e do tupi-guarani quer dizer "A colheita de raízes" (ipi-oga) ou "a casa do chão, caverna" (ibi-oga).

Os dois significados representam muito o bairro.

Vou começar falando da "Casa do chão, da caverna".

Lá em Ipioca existe a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó. Ela está prestes a completar 390 anos de sua criação.  Embaixo da igreja existe um túnel feito pelos Holandeses na época da colonização para poderem fugir e se refugir. Esse túnel encontra-se por lá ainda e dá acesso direto a praia, mas nesse momento não é possível acesso, porque precisaria de restauração. 


E por falar em restauração a igreja foi restaurada recentemente, depois de muita luta e cobrança da comunidade. Aos poucos as pessoas foram vendo a igreja desabar e aquela igreja é memória na vida de muita gente.

Ipioca é "Colheita de raízes" por que o trabalho da associação é essa busca constante pelo resgate e valorização da memória local. O bairro carrega muitas histórias, desde ser o local de nascimento do segundo presidente do Brasil, Floriano Peixoto, a uma notícia muito deliciosa, pois o Doce de Caju de Ipioca foi eleito patrimônio imaterial do estado de Alagoas.


Ipioca é lugar de muita passagem de turista, hoje os colonizadores são os italianos que enchem as beiras das praias de hotéis, Resorts... E você deve imaginar o que o colonizador faz... Ele lucra com o melhor que tem no lugar, pois enquanto os Resorts estão cheios de turistas, no Alto de Ipioca há dias em que falta água, há lugares que precisa de saneamento básico e só no ano passado eles conseguiram que se construísse no local uma creche.


Eu sentia nas poucas horas o rastro de memória se espalhando pelas ruas. Senhoras que fazem doces, biscoitos, senhores que pescam, crianças brincando na pracinha.



O trabalho da associação caminha nesse lugar de resgate da dignidade humana e valorização da autoestima da comunidade, porque lá há muita riqueza explorada historicamente e atualmente por colonizadores diversos, mas a maior riqueza ainda vive no olhar de cada morador que se senta em sua porta para compartilhar histórias.

Grupo de Capoeira da Associação (Arquivo Pessoal)


Há sete anos existe o bloco "Ipioca na Folia".  Uma festa que resgata a tradição dentro da comunidade e movimenta o feriado das pessoas. Aqui em Maceió o carnaval se dá nos bairros, nas periferias, onde as pessoas se juntam para celebrar a festa.




Jasiel foi muito receptivo conosco. Lembrei-me do filme "Narradores de Javé" em seu discurso. Ele nos trazia um prato cheio de memórias que não podem ser esquecidas, porque é a própria história do bairro, da cidade e das pessoas.

E é difícil de falar em autoestima quando o bairro muitas vezes fica em segundo plano, quando a vida das pessoas não é mais importante do que a construção de um novo resort. Lá existe potencial, existe história e gente forte o suficiente para transformar a realidade. Cada luta da associação junto aos moradores é uma raiz que se colhe e se expande, desde a busca por uma creche para deixar os filhos a uma praça para lazer e socialização.


Jasiel nos falava da igreja como simbolo dessa constante luta pela preservação do patrimônio e da memória. A igreja é um dos exemplos das conquistas da união coletiva, mas elxs sabem que ainda há muito o que se fazer.



Voltamos para casa com esse exemplo de ressignificação de um lugar e principalmente da luta para manter viva a história de cada um.

Gratidão, Ipioca e até breve!


Esse projeto foi contemplado com o Prêmio Eris Maximiano de 2015.