30 dezembro 2014

Carta ao meu amigo


Fiquei com receio de escrever esse texto, mas ele será uma homenagem.
Quando voltei de Portugal, logo nos primeiros dias, ao transitar de ônibus pela cidade eu tive a impressão de ver um amigo de infância na porta da empresa que ele trabalhava nos últimos anos. Não era ele. Soube dias depois que ele havia partido ainda quando eu viajava pelo mundo. Meu amigo decidiu ir morar com as estrelas.
Faziam meses que não nos falávamos. Estudamos juntos a quinta e sexta série. Sentamos lado a lado e compartilhamos ao longo daqueles dois anos muitos momentos felizes nessa fase de transição para a pré – adolescência.
Fui morar em outra cidade e voltei dois anos depois. Tempo em que ele veio morar em Maceió.  Nos desencontramos mais uma vez e tivemos poucos encontros nesses últimos anos, mas sempre que nos víamos revivíamos aquela lembrança mágica de um passado nunca esquecido.
Sofri bastante com sua partida, porque era meu primeiro amigo de lembranças tão importantes que eu via partir. Não nos despedimos. Nem sei o que ele viveu naqueles últimos dias, nem imagino o que o levou querer partir tão cedo. O que pensou, o que comeu... Sonhou?...
Tentei visitar sua mãe quando fui a Viçosa, mas não consegui. Fiquei do outro lado da rua vendo aquela varanda que tantas vezes o vi descer.
Esses dias fui visitar minha mãe e ela me trouxe uma caixa cheia de cartas, fotografias, livros e três diários que escrevi ao longo da adolescência. Comecei a rever as cartas e os diários. Confesso que foi uma experiência perturbadora de início, mas depois foi renovador.
Fui reparando em coisas que eram tão sofridas, segredos insondáveis e que hoje não representam dor alguma. Revivi amigos e amigas através das cartas e hoje nem sei por onde andam. Como essa vida dá voltas...
Num diário de quando tinha 10 anos encontrei um bilhete desse meu amigo. Destaquei e guardei comigo aquela lembrança daquele tempo da vida em que tudo era leve e doce, mesmo em meio aos conflitos que começavam a querer aparecer.
Não poderia nunca esquecê-lo e trazer sua lembrança nas linhas desse espetáculo que fala tanto de partidas, encontros e despedidas. Não poderia esquecê-lo agora que sei que "qualquer dia amigo a gente vai se encontrar"...

Meu amigo onde você estiver receba meu abraço.





23 dezembro 2014

Com que roupa que eu vou?


   Um ator deve ao menos saber costurar um botão, me dizia um dos mestres de teatro que encontrei pelo caminho. Prender botão, costurar remendos eu até aprendi com minha mãe, mas desenhar os moldes, cortar e costurar eu ainda estou descobrindo.
   Quero falar nesse texto sobre o uso das mãos. Usar as mãos, por a mão na massa, passar a mão no volante, pegar com as próprias mãos são expressões que venho refletindo ao longo dos últimos meses, porque querendo ou não usar as nossas mãos é um processo de libertação e repressão ao longo da nossa formação humana, aliás quem aqui nunca ouviu a expressão “não coloca a mão aí”?
   O primeiro insight que me veio nesse processo de construção do figurino foi o de pôr a mão na massa, ou melhor, no tecido. Usar as mãos é um desafio que me proponho com esse espetáculo. Comecei desenhando os figurinos e para isso pesquisei na internet modelos de croquis  que eu pudesse revestir com as roupas imaginadas. Entendi que o desenho não é o mais importante, pois o que vale é o conceito, a ideia que se quer propor. Ao mostrar os primeiros desenhos aos meus companheiros houve um estranhamento e acharam que não condizia com a proposta do espetáculo. Comecei a refletir sobre o que me diziam e sobre o ar de desgaste que me falavam para a representação desse figurino.

   “Cada figurino traz os dramas de seu personagem. Esse espetáculo me lembra a questão do tempo que tira a forma das coisas e que dá uma nova forma a elas” me dizia o professor Acioli Filho que no curso de Teatro Licenciatura lecionou a disciplina de Figurino. Era, portanto, preciso entender os dramas que carregava o meu “Severino” e seus companheiros para poder entender aonde essas linhas iriam levar. Acioli não me respondeu e-mails em que eu pedia ajuda desesperadamente e só depois entendi que o que ele queria dizer já havia dito em nossas conversas. Lembro quando dizia “Teste! Não tenha medo! Vá testando tudo!”.

   Rosane Muniz , autora do livro "Vestindo os nus", em seu blog do mesmo nome, diz que: 


“O figurino torna-se uma roupa, dá um depoimento sobre a pessoa que o usa e, indiretamente, sobre o panorama no qual aparece. Nesse caso, ele pode, e deve, exibir o seu desgaste, a sua sujeira, falar do status social e da situação real do personagem.”

   Era tempo de começar a testar tudo!
   O primeiro passo foi uma campanha aqui no blog e no facebook de coleta de roupas e materiais para a visualidade do espetáculo. Em seguida comecei a coletar no lixo e até mesmo ir aos pontos de recolhimento de material reciclado. Brechó foi meu último caminho e no qual eu pude encontrar o que não havia conseguido recolher com a campanha. Eu olhava para o lixo nas ruas e já sabia o que poderia tirar daquelas coisas.

Caminhos que começavam a surgir
O varal de casa já anunciava caminhos.



   Tendo em mãos o material comecei o processo de entendimento da cor do espetáculo. Começava a arte de desconstruir como principio de concepção do figurino. Vitor Leão me dizia que via nessa história as cores terrosas e a busca por essas cores tornou-se um exercício que fiz em casa nas últimas semanas.
   Passei a tingir tecidos com tinta, café, chás e terra na busca por cores e estruturas desgastadas. Tudo em buscas pela internet e receitas fáceis de descolorir, colorir e colorir com coisas naturais.
   Pintadas as roupas era a hora de encontrar a forma delas no corpo. Revirei do aveso, cortei, cortei de novo, vesti de outra forma, tingi de novo até encontrar um caminho.
   Eram exercícios nas madrugadas nas quais tinha a companhia e os olhos de meu companheiro Nivaldo Vasconcelos que passava a tesoura sem medo de ser feliz.
   Cheguei a um resultado sonhado, inesperado e bonito. Sei que a sua forma vai se dá no uso, no palco e no contato do corpo com o publico. Aí sim terei sua forma mais bela.
   Por enquanto posso dizer que as coisas são possíveis e que por a mão no volante é o primeiro passo para as coisas começarem a caminhar.
   O ano está terminando. Quero ir para o palco logo.
   Logo assim que o ano de 2015 começar.
   Nosso encontro está cada dia mais perto e o coração já fica querendo saltar!

Um grande abraço a todxs vocês e até breve!

Web referência:
Rosane Muniz, Como manda o figurino. Disponível em:
http://vestindoosnus.com.br/sobre_figurino/como-manda-fig.htm

01 dezembro 2014

Pode me chamar de ...

Escolher um nome é sempre uma decisão difícil.
Fico imaginando como pais e mães escolhem os nomes dxs filhxs, porque dependendo da escolha, já que se pode mudar o nome legalmente, essx filhx levará o nome para o resto da vida.
Um nome para um personagem é um nome para sempre. Esse nome surge e o acompanha, dá forma e vida ao seu caminho na terra. Geralmente eu escrevo sem nomes para os meus personagens, porque dar um nome é colocar alguém dentro de uma história que aquele nome traz consigo.
Eu tive uma fase de assinar em cartinhas com os nomes dos meus avôs, depois tive uma fase de abominar o diminutivo do meu nome querendo ele simplesmente como é. Eu fui criando uma aversão ao sufixo “inho” por que era uma construção ao longo da vida e não uma escolha.
Escolher, por exemplo, um nome artístico é uma escolha difícil também, mas é um momento em que tenho a plena liberdade de escolher como quero ser chamado.
Casar faz a gente mudar de nome, acrescentar outro nome, hoje já não é obrigatório, mas isso é uma mudança que me deixa curioso. Por que cada nome é uma história. Receber outro nome é positivo também, porque nessa ocasião eu junto a minha história com a história de alguém e escrevemos a nossa nova história com um novo nome.
Engraçado observar a fase da adolescência na qual eu tinha uma busca por me reconhecer no próprio nome, de criar um nome que me representasse em cada momento. Toda semana eu pintava o cabelo e junto eu mudava de nome. Hoje aos 27 anos finalmente assino meu nome por inteiro sem mais nenhuma questão com ele e deixo meu cabelo crescer e encontrar a sua forma própria.
Carlos Drummond de Andrade tinha uma paixão por nomes.  O poema “José” foi um dos primeiros que declamei em publico e o mesmo autor me mostrou uma nova forma de ver o mundo ao pronunciar em seu “poema de sete faces” o nome Raimundo.
Gostava também do sobrenome Tatipirun por causa da “Terra dos Meninos Pelados” do Graciliano Ramos. Parecia um lugar tão bom de ser viver que nos tempos de Orkut eu assinava o perfil como Raimundo de Tatipirun, mas se chamar Raimundo seria uma rima e não uma solução nesse momento de escrita do texto Volante.
Meu anti-herói por pouco não se chamou Chico por devoção ao santinho querido de Assis. Quase que batizei de Miguilin por estar lendo no tempo a obra Campo Geral de Guimarães Rosa, porém dentre tantos nomes e significados ao longo da nossa história literária eu escolhi chamá-lo de Severino. Meu personagem já nascia Severino.
Ao ler a obra de João Cabral de Melo Neto sempre me emocionei com a poesia que brotava em cada verso e a tentativa do personagem se apresentar definindo o seu nome em meio a tantos com o mesmo nome naquele lugar.
Definir-se Severino era ao mesmo tempo uma necessidade de decifrar o que há de severo nessa vida que se mostra e se esconde como água correndo nas mãos ...
O meu Severino acabava de nascer. Estava saltando nas linhas do caderno, mas já vinha há anos caminhando pelo mundo, desde quando nasci.
Fotografia de Nivaldo Vasconcelos


 “- De sua formosura
deixa-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa”

Esse trecho da obra de seu João me acompanhou nos últimos anos. Fez-me rir e chorar ao lembrar que a vida é sempre mais forte e que o sim é maior que o não. Eu tenho paixão pelo “Sim”. Eu disse sim!
Tenho lido outras obras teatrais e visto nos autores nordestinos essa busca, essa resignificação do sujeito “Severino” e percebo que cada um carrega um “Severino” dentro de si. Eu me perguntava: “Por que mais um Severino?” e eu me respondia: “Somos muitos Severinos”.
Severino, o meu retirante, alagoano, andarilho, contador e catador de histórias é para mim belo como um sim numa sala negativa. É uma gota de vida que escorre numa vida severa cheia de salas negativas. É uma busca por um lugar, por um reencontro com tantos nomes que a vida o deu.
É um perder-se e achar-se dizendo sim, sempre sim!

22 novembro 2014

Ensaio (de coração) Aberto

Todas as fotografias desse ensaio são de autoria de Nivaldo Vasconcelos.

Era a primeira vez que eu abria a porta da sala de ensaio.
Não dormi direito no dia anterior.
Coloquei o alarme para acordar cedo e acordei mais cedo do que o programado.
Era como abrir uma gaiola para mim.
Era a minha primeira tentativa de voo num solo (desconhecido?!).
Ao redor eu tinha pessoas queridas, pessoas que riem e fazem rir.
Estava eu no "I Encontro de Palhaços de Maceió", organizado pelo grupo Clowns de Quinta, que aconteceu do dia 19 ao dia 22 de novembro.
Meus companheiros de cena não puderam comparecer ao ensaio por questões de agenda com outros trabalhos, mas eu precisava estar perto dxs amigxs para abrir o meu coração transformado em cena. 
Precisava falar sobre as limitações e potencialidades do espetáculo. Precisava dos olhos atentos e dos corações abertos.
Era um ensaio sem adereços, cenário e figurinos finalizados, mas era um desenho do que será.
A recepção me sensibilizou. Passei todas as cenas do espetáculo durante o ensaio,falei das inspirações iniciais e da busca pelo entendimento e criação de novos signos.
Ouvi ao final depoimentos e inquietações.
Só tenho a agradecer aos Clowns de Quinta pelo convite, acolhimento e cuidados que me proporcionaram naquela manhã do dia 21.
Quero agradecer ao Nivaldo Vasconcelos pelas fotografias e partilhas na confecção dos adereços.
Rayane Wise pelo cuidado e carinho em estar concebendo a maquiagem.
Agradeço a Pam Guimarães pelo registro audiovisual do ensaio.
A todas as pessoas que compartilharam as sensações e inquietações comigo nesse dia tão especial. 
Não esquecerei cada palavra! 
Voltei para casa feliz pelo primeiro passo. Primeira tentativa de voo.
Pela noite eu tinha uma sensação de segurança não vivida há muitos meses.
Eu olhava para a rua chuvosa e finalmente me dizia:
"Estou em Maceió".






Rayane Wise começa a conceber a maquiagem.







































18 novembro 2014

Se avexe não

A primeira vez que ensaiei com a carroça, inicialmente pensada, levei um susto, porque era outro espetáculo que eu descobria. Aquele corpo falante precisava agora descobrir uma nova forma de se comportar num espaço quadrado. Um corpo mal comportado num espaço “ilimitado” de desejo.
Foi uma forma diferente de observar a construção feita ao longo dos meses.
“É um corpo de velho?”,  “É uma voz diferente?” me perguntava o Vitor.
Não, não é! Volante usa tudo de mim. É a minha voz e o meu corpo descompensado trombando em palavras que se espalham e explodem no ar como bolhas de sabão.
Eu estou querendo dizer. 
Fotografia de Nivaldo Vasconcelos

São quase oito meses de gestação e com nove a gente sabe que nasce a criança, mas não dá para ter pressa, não pode ser prematuro. “A pressa é inimiga da perfeição” eu pensava quando saia da Loja das Bugigangas, local que construi a carroça, pensando e entendendo que esse ditado é velho e certeiro. Na minha pressa e necessidade de ter a carroça eu errei. Tive uma carroça que na prática tornou-se inviável.
“Isso não parece uma carroça, parece um quadrado” dizia o Felipe de Alencar.
O meu quadrado/carroça, a minha carroça quadrada era a minha forma quadrada, enquadrada de ver o mundo naquele momento.
Sem pressa! “Se avexe não! Amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada!” diz a canção.
“É que gestação não é um momento totalmente feliz. Embora a grávida esteja feliz, ela tem os olhos tristes” dizia o Paulo Vitor para me acalmar e me deixar menos ansioso.
Esperar me deixa com olhos tristes de grávida.
Quando nada acontece é terrível. Um dia eu resolvi assumir o volante da minha vida e disse a mim: “Eu vou fazer e usar o que eu tenho”. Eu me digo isso todos os dias, porque tenho medo do aborto e por que nessa vida eu já abortei.
Um amigo me falava de egoísmo há quase um ano. E me dizia que acreditar no que se quer deve ser um ato “egoísta” necessário.
“É como se você adivinhasse o não antes dele chegar”, dizia para mim o Nivaldo, mas é que o “não” esteve tão presente no último ano que quando o “sim” aparece eu desconfio, fico meio “Tomé” querendo colocar o dedo na ferida.
No inicio a sala era fechada nos ensaios e aos poucos com o entendimento do processo a gente foi abrindo para os amigos.
Mas eu precisava nesse processo “Matar o mestre, o pai, a mãe...”, “cortar o cordão umbilical” como me ordenava o querido mestre Ronaldo Aureliano.
“Vai levar tapa na cara da vida” me dizia seu Bolero, um poeta da Viçosa, me ordenando a acreditar e me jogar sem medo.
Felipe e Elton foram as surpresas da minha vida nesse ano de 2014, mas eu preciso contar uma coisa... Eu sempre imaginei estar com o Felipe desde o primeiro dia que pensei nesse espetáculo, mesmo a gente se vendo tão pouco naquele momento. Depois ele me trouxe o Elton que é tão doce e tem um olhar tão sensível que eu fico querendo ouvi-lo falar sempre para aprender a música que ele traz nos olhos.
Essa semana bateu tristeza. O parto se aproxima e tem que ser natural... Não tinha figurino, maquiagem e cenografia.  Eu não sei costurar, mas um dia Lael Correia e Acioli Filho me disseram da necessidade de saber fazer, de tentar e experimentar. Mergulhei nessa lembrança e fui cortando tudo que vi de tecido pela frente e encontrei muita coisa no lixo para o caminho que se revelou para o figurino. Já temos uma concepção do figurino! Tenho também a disponibilidade e boa vontade da Ticiane Simões para me ajudar a finalizar o figurino.
Depois me vem Rayane Wise e embarca nessa carroça com sua concepção de maquiagem que já me faz querer no rosto. Mandei uma mensagem para ela pedindo ajuda, socorro e salvação e ela afetuosamente me atendeu. Encontro com Carlos Alberto Barros que me diz que vai defender o projeto do espetáculo para conseguir pautas no teatro.
Aparece Roberta Aureliano que há dez anos me oferecia a minha primeira experiência com teatro em uma oficina na cidade de Viçosa – AL, desde então, nunca parei de fazer teatro. Roberta sabe da importância desse espetáculo em minha vida, sabe que é o cordão umbilical que seu pai me pedia para cortar, sendo jogado no mar, no rio, na vida que bate no rosto. Ela vai até Edner Careca e pede para mim uma luz. Telefona e cria uma ponte com Paulo Cesar Frazelly que abraça o desafio de cuidar da cenografia.

Ai gente! Eu estou mais calmo, porque na hora certa tudo se encaixa, tudo acontece, inclusive nada. Vou seguir a semana sabendo que a gente sempre pode contar com os amigos, mesmo aqueles que pareciam estar distantes e que teatro se faz com gente.


17 novembro 2014

Vista Volante: Campanha para Figurino.

Oi pessoal!
Já começamos a estudar o figurino do espetáculo e experimentar possibilidades de cores e texturas.
Ando me permitindo experienciar e experimentar essas possibilidades, afinal já me dizia o Professor Acioli: "Experimente! Traga os dramas desses personagens para o figurino".
Precisamos do material abaixo para impulsionar esse processo. É simples e deve estar bem perto de você aí na sua casa ou na casa da tia, vó, primo... Ajuda a gente a vestir esse volante.
Lembrou que tem algum dos itens me avisa!
Entra em contato por:
alvesbrunobr@gmail.com
Mensagem ou comentando aqui.
Muito obrigado!

Arte: Nivaldo Vasconcelos

17 outubro 2014

Escrevendo para entender

Inicialmente o elemento que despertava interesse ao processo era a carroça utilizada por catadores para reciclagem na cidade de Maceió. Nesse meio havia também questões da confusão, cidade grande, congestionamento, ritmo acelerado, pessoas invisíveis, dentre outras. Ao conversar com Felipe de Alencar discutíamos sobre desigualdade e condições de vida na capital alagoana.

Encontrando caminhos...

O primeiro momento de busca textual era composto por poemas que tratavam do ser humano e sua relação com a cidade, com a vida, com as idas e vindas e os encontros e desencontros. Não havia uma ordem de texto, mas um arquivo com poemas de Florbela Espanca, Mário Quintana, Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto, Sophia de Mello Breyner e Manoel de Barros.
Passei a observar e conversar com os senhores catadores de lixo e descobri que a carroça ganhava um significado mais amplo e mais coletivo, porque é ela um elemento que junta coisas, leva para outros lugares e é puxada por homens e mulheres. Carroça para mim, durante o processo dramatúrgico, tornou-se um simbolo de alma e passado. Coisas que todos carregamos, mesmo que abandonemos pelo caminho para esvaziar e pesar menos para seguir adiante.
Felipe de Alencar me apresentou músicas, tocou para mim e me falava da poesia que queria despertar no público. Falava de trazer questões sociais, mas também de levar a poesia da vida que passa despercebida aos nossos olhos.
Logo após essa primeira conversa ao som de músicas que despertavam sentimentos em Felipe voltei para casa com a sonoridade ainda acesa dentro de mim. Comecei a escrever questões até autobiográficas como alguém que trás a carroça cheia e precisa esvaziar. Como alguém que precisa se entender nesse processo todo.
Surgiu a segunda proposta de um texto dramatúrgico, desta vez com um personagem e a citação dos poemas referências ao longo do texto ainda sem cenas e indicações. Os textos que serviram de base para esse primeiro momento de esvaziamento foram textos de Fernando Pessoa, Mário Quintana, José Saramago, Herman Hesse e João Cabral de Melo Neto, além de músicas como “Estrela, Estrela” de Vitor Ramil que foram trazidas por Felipe durante as conversas.
Marcamos uma leitura e logo após a leitura Felipe de Alencar falou suas inquietações, acabou achando o texto muito denso e triste e imaginava uma estética mais Armoreal com personagem mais popular, esperto, confiante e com fé na vida. O “João Grilo” e outros personagens de Ariano Suassuna eram fortes na memória de Felipe e do que ele esperava para o espetáculo. Trouxe mais propostas sonoras e marcamos mais uma leitura com a presença de Elton Nascimento.
A chegada de Elton Nascimento trouxe mais riqueza de ideias e vivências pessoais. Era o encontro de um estudante de teatro com dois estudantes de música que começava a trilhar caminhos cada vez mais inesperados.
Quando li a primeira cena em nosso terceiro encontro, os músicos atuadores começaram a compor uma música, pois decidiam que iriam apostar na música autoral como forma de facilitar o processo de circulação do espetáculo no futuro. Ao ouvir a primeira música composta para a primeira cena despertou uma sensação de confusão interior, pois essa era uma música que tratava de esperança e  felicidade, porém apresentava uma sonoridade que se repetia e parecia nunca ter fim. Foi este o mote para a terceira proposta do texto. Um personagem “Armoreal”, "Quixoteano",  com essências da Commédia Dell ‘ Arte, que com sua carroça vive a busca de procurar a felicidade pelo mundo num circulo que nunca tem fim, assim como a nossa busca cotidiana.
Severino foi o nome escolhido para o nosso anti-herói, pois sua maior referência já vinha se anunciando ao longo do surgimento do texto ao se ter “Morte e Vida Severina” como leitura. No entanto, esse Severino é um alagoano, não muito diferente do Severino de João Cabral, nem dos tantos Severinos existentes pelo Brasil. Carrega como marca a esperança, a alegria e a inocência de quem inventou um mundo para si.

Segundo Luis Alberto de Abreu:
O texto dramático não existe a priori, vai sendo construído juntamente com a cena, requerendo, com isso, a presença de um dramaturgo responsável, numa periodicidade a ser definida pela equipe”

Em Volante tínhamos em comum o interesse pelo elemento da carroça de reciclagem. Eu, enquanto ator-criador, me propus a direcionar a dramaturgia textual tentando dialogar inquietações pessoais com inquietações coletivas e mesmo apresentando uma proposta inicial de texto, este foi modificado em todos os encontros que tivemos ao longo das últimas semanas. Ganhando assim, uma nova forma e um novo direcionamento. Vale ressaltar que mesmo se modificando em cada encontro o texto do espetáculo vai mantendo a mesma essência da inquietação inicial e hoje no sexto encontro continua tratando da relação do ser humano com o espaço físico e suas relações ao longo da vida. O interessante é que a essência permanece e o que se modifica é o personagem e as cenas que vão surgindo ao longo dos encontros e amarrando ainda mais o que é definido pela equipe.
Os músicos-atuadores ao longo do processo estão cada vez mais próximos do personagem e apresentam-se como personagens da história que guiam com sua música Severino pelo mundo dos sonhos que ele criou para suportar a fome, o frio e a indiferença.
Elton Nascimento, nos nossos encontros no mês de junho, me propôs que pesquisássemos exercícios que trabalhassem a questão da voz do ator na música. Fizemos nesse mesmo dia o exercício de falar o texto de acordo com o ritmo da música, depois acompanhar as pulsações da canção com movimentos no próprio corpo.
A música vem ao longo do processo descobrindo seu espaço, sendo uma elemento que joga com o ator. Esse exercício do ator jogar com a música e a música jogar com o ator tem se mostrado evoluindo ao longo do processo, pois no nosso sexto encontro já notavámos a necessidade de marcar o espaço, fluir a cena de acordo com a musicalidade e a musicalidade fluir de acordo com a métrica do texto, quando for o caso.
Vamos caminhando... Vamos escrevendo para entender o espetáculo, experienciando para sentir a nós mesmos e o mundo ao redor.

Bruno Alves da Silva
(Escrito em 02 de julho de 2014.)
Referência

ABREU, Luis Alberto de. Processo colaborativo : relato e reflexões sobre uma experiência de criação. Cadernos da ELT, Santo André, v.1, n.0, p. 33-41, mar. 2003.

07 outubro 2014

A primeira vez que vi "volante"...


Era um estranho dia chuvoso do mês de outubro de 2014, ressaca de período eleitoral e eu não sabia o que fazer para transportar o cenário do espetáculo para o local de ensaio na praça Sinimbu. Era a primeira vez que eu ensaiaria com o elemento cênico que foi ponto de partida para a construção do espetáculo Volante.
Quando cheguei na praça tinha parado de chover, mas ficava sempre um céu ameaçando um temporal. Montei o cenário, montei a carroça e comecei a descobri-la no movimento, no corpo, no espaço. Era emocionante olhar para ela, era ver materializado o que antes era apenas um desejo.
Passavam pessoas na praça, olhavam com estranheza um homem a dar "pinotes" com uma carroça. Josué se sentou próximo ao local do ensaio, acendeu seu cigarro, tirou a mochila das costas e ficou observando meus erros e acertos ao longo do processo. Tinha sempre um olhar tão imparcial, mas as vezes parecia querer responder as perguntas do personagem.
Terminei o ensaio. Sentei ao lado de Josué e perguntei seu nome,puxei assunto, quis saber o que tinha achado, fui logo me desculpando e explicando para ele que se tratava de um ensaio, que errar fazia parte para chegar num acerto. Ele me falou palavras bonitas. O pouco que ele escutou trouxe para fora lembranças de memórias vividas. Quis saber de Josué onde ele morava, ele quis mudar de assunto e disse apenas que vinha de um lugar como o do personagem, "essa história que você fala é quase a minha história". Fiquei em silêncio e absorvido pela sensibilidade de suas palavras, era a primeira vez que eu ia para a praça, a primeira vez que eu ensaiava com a carroça, era a primeira vez que eu via Josué.
Falou-me dos estados que passou, dos seus três meses em Maceió, de como gostava do mar, das tristezas, dos dias que se sentia sozinho, de Deus, do seu analfabetismo, dos seus 28 anos de aprendizado com a experiência que só a vida pode trazer, falou- me do seu estado de origem Pernambuco, e do tempo que vive longe de casa...
Uma passagem para o infinito.
Fotografia: Nivaldo Vasconcelos.

Não faço ideia da história da vida de Josué antes de sua partida pelo mundo, mas imagino o quanto  ele aprendeu nesses últimos anos em que tornou-se volante na vida.
 Agradeceu-me pelas palavras ditas pelo personagem, ficou ainda mais feliz em saber que era a primeira pessoa a assistir meu ensaio com a carroça. Mal sabia ele que grato estava eu pelo aprendizado, pelos seus olhos atentos, pelo seu exemplo de despojamento e entrega. Mal sabia ele que receber seu sorriso foi uma forma de me sentir fortalecido e certo do desejo de estar perto das pessoas que tem tanto a dizer, tanto a ensinar. Mal sabia ele que era como um sinal aquele encontro, aquele momento vivido debaixo de uma árvore no meio de uma praça, no meio de um mundo ameaçado por uma tempestade.
Josué não tem carroça, carrega uma mochila nas costas com suas histórias, sua casa, sua alma, sua vida...
Trocamos um aperto de mão na despedida. Ficou no peito a certeza que a gente se encontraria em alguma praça, alguma rua, alguma esquina de qualquer lugar nessa vida.


Bruno Alves da Silva

27 agosto 2014

Pode entrar!

Estamos caminhando na construção do nosso espetáculo.
Ontem recebemos a visita de pessoas muito queridas. Estiveram atentos e disponíveis a ouvir e partilhar sensações.

Nathaly Pereira, Igor Rozza, Bruno Alves, Elton Vinicius, Felipe de Alencar e o olhar de dona Alzira.

Bem perto do coração na nossa sala de ensaio contamos com a visita da Ednar que com sua companhia registrou em fotografias o ensaio.
A Nathaly Pereira do Grupo Clowns de Quinta ficou atenta e aberta anotando coisas e compartilhando conosco no final.
O Igor Rozza da Cia Insanos da cidade de Taquarana estava passando por perto e ficou para assistir nossas últimas cenas.
Dona Alzira chegou mais cedo ao local de ensaio do coral que faz parte e que ensaia na mesma sala que nós estavamos. Ficou conosco, tirou uma foto do grupo e partilhou palavras doces.
O processo continua. O texto está vivo!

02 agosto 2014

O que vem antes

Quero começar esse texto falando da vida que diz sim e da vida que diz não.

Nivaldo Vasconcelos registra a leitura desse texto que se refaz a cada encontro na Sala de Ensaio .

Fazem dois anos que não vivêncio uma temporada com espetáculo de teatro. Minha última experiência com sala de ensaio se deu nesse primeiro semestre de 2014 com a disciplina de Montagem Cênica. Dediquei grande parte desses dois anos a apreciação (porque amo ir ao teatro) e tive a oportunidade de assistir produções nacionais e internacionais.

Em maio de 2013 estive no Festival Internacional de Teatro de Rua em Santa Maria da Feira em Portugal. Foram dias de uma vivência teatral intensa com espetáculos dos mais diversos países. Vivi dias que me senti imensamente feliz com a experiência  de acordar para assistir teatro, comer vendo teatro, dormir pelo cansaço sabendo que ainda assim haveria teatro em algum ponto da cidade.

Estar fora de casa nesses seis meses de experiência de intercâmbio me ajudou a me perder e nesse caminho todo me encontrar. Confesso que o “se encontrar” tem sido a parte mais difícil, mas o se perder me ajudou a entender muitas coisas quando voltei para casa.

Voltar para casa me possibilitou receber muitos “nãos”. Sabe aquela pessoa que volta tão cheio de coisas para contar e compartilhar e que precisar gritar? Pois bem! Estava assim. Difícil foi entender que os outros estavam em outro momento e que o que me interessava não necessariamente interessava as outras pessoas, mas ninguém é obrigado a comprar nossas vontades, nós somos fazedores das nossas escolhas e entender isso me ajudou a prosseguir nessa estrada da vida, sendo volante da minha história.

O "não" foi difícil, mas me fez se aproximar do que realmente almejo para a vida. O primeiro ponto que me fez entender esse caminho que a vida vai tomando foi perceber que realmente quero viver teatro, poder fazer teatro a vida toda, pois foi a ele que dediquei meus últimos dez anos de vida. Poucos anos, pouca experiência, mas muita vontade de viver para sempre nesse universo.

Um dia desses encontrei com um amigo e ele me disse:
- Bruno estou dedicando tempo para fazer o que gosto. Estou vivendo uma faze egoista e estou gostando.
Entendi o que ele dizia, quando falava em fase egoísta, porque não era necessariamente uma fase de não se preocupar com os outros, mas uma fase de também se preocupar consigo, de tentar se ouvir mais e se fazer feliz.

Desde que voltei tinha uma vontade no meu coração: a de investigar, treinar, descobrir caminhos e fazer as coisas acontecerem, não queria mais ser um ator que fazia o que alguém dizia que deveria fazer, queria (quero) agora ser um “ator compositor” aquele que entende o que está fazendo, que é criador de seu processo, que colabora, que encontra respostas, que sabe o que está fazendo.
Mas por onde começar?

Ler foi a primeira tarefa. Selecionar leituras, relembrar e organizar exercícios aprendidos em oficinas ao longo da vida, fazer novas oficinas, entender o processo de criação de outros grupos, buscar a disciplina. Disciplina foi a palavra de ordem. Ter dias e horários na semana dedicados ao trabalho de treinamento de ator, mesmo que este fosse sozinho acompanhado do olhar da lente de uma câmera que tudo guardava para que eu pudesse assistir depois.

Comecei treinando sozinho. O treinamento é um fator muito importante e determinante para o ator. Fazia regularmente os exercícios, depois vinham as aulas de Teatro Licenciatura, inclusive a disciplina de Montagem Cênica, mostrando novas direções e em seguida entrei no Projeto Claricena, onde nos encontramos semanalmente para treinamento e descobertas para uma montagem futura.

Depois de receber “nãos” ao longo dos dias resolvi silenciar e dedicar esses dias de “chuva e não” ao treinamento e a observação dos sinais que a vida tem.

Caminhar por Maceió sempre foi uma tarefa que me permitiu observar a vida e o fluxo cotidiano. Sempre, desde que vim morar aqui, ver aquelas enormes carroças com homens puxando e cheia de material de reciclagem me despertava um sentimento de alegria. Confesso que a carroça era a coisa que mais me chamava atenção na cidade. Parece maluco achar uma carroça cheia de “lixo” a coisa mais bela de um lugar cheio de praias, mas para mim sim, era a carroça o oposto da vida na capital.

Vivi toda a minha vida em cidades pequenas, no interior do estado e lá é mais comum encontrar carroças pela rua, geralmente puxadas por animais como burro e cavalo, porém aqui o mais comum é encontrar homens e mulheres puxando carroças como forma de sobreviver e desacelerar essa cidade cheia de carros, pressa, shoppings e praias tão belas. E eu que venho de um lugar que não tem mar nem shopping center, “eu que não sei nada do mar” prefiro as carroças. Para mim era um susto imenso encontrar vida através desse símbolo caminhando por ruas onde é preciso ser metade gente e metade coisa para sobreviver.

É que para mim, enquanto ator, ver aquela carroça como um elemento cênico é também uma possibilidade de vê-la como uma extensão do corpo do ator- atuador. Como cidadão ver aquela carroça na rua é uma possibilidade de ver que no meio de toda essa correria da capital existe gente preocupada em viver, sobreviver e faz da preservação ambiental a sua forma de sustentabilidade e ai de nós se não fossem esses carroceiros, ai de nós se não tivessem esses que trabalham com a reciclagem da enorme quantidade de “lixo” produzido todo dia. E o lixo vem entre aspas por que eu fico questionando o que seria lixo, pois tanta coisa pode ser reaproveitada que lixo mesmo está na forma de olhar para as coisas. Aqui não vou falar (ainda) sobre as condições de trabalho, sobre as politicas publicas para essas famílias, quero que a experiência artística seja todo o discurso e poesia que resignifique esse objeto. Sei que é o trabalho que fazem é duro, honesto e lindo nessa nossa cidade e falo nossa cidade, porque quando vejo um carroceiro me identifico, me ligo a esse lugar. Essas carroças me fazem mais perto de Maceió, quando as vejo, quando as questiono me sinto realmente morando aqui.

Conversei com muitos desses senhores ao longo dessa pesquisa. Visitei os locais que fazem entrega do material, segui com o olhar seus passos pela rua, ouvi suas histórias de luta, conheci suas vidas, seus sonhos e o reconhecimento que tem sobre a preservação do meio ambiente. Conheci seu Milton, seu Manoel, seu Antonio, foram tantos homens muitas vezes calados, tantas vezes invisíveis, mas quando solicitados abertos a conversar tranquilamente.

Sabia que a carroça era o ponto de partida para a história que está nascendo. Sabia também que a inquietação inicial era essa coisa do pertencimento a um lugar, do estar num movimento que vai de encontro ao movimento da vida do próprio lugar. Entendi que não seria a história de um carroceiro, mas de todos nós enquanto seres humanos que carregam uma “carroça” invisível por todos os lugares que vamos. Esse espetáculo é essa busca pela felicidade que se reflete nessa nossa ida ao encontro do que acreditamos ser nosso. 

Essa carroça fica cada dia mais clara na minha cabeça como a alma cheia de história que temos, cheia de desejos, medos, decepções e sonhos que acumulamos e guardamos e perdemos ao longo do caminho. Era a minha carroça na estrada da vida, é a carroça do espectador que também carrega tantas histórias consigo, é a carroça dos queridos “Volantes” Nivaldo,  Elton e Felipe e outrxs que delicadamente ajudam a seguir. 

Sigamos!

15 julho 2014

Carroça para quê te quero?

Tudo começou em agosto de 2013, aliás, tudo recomeçou ao observar pela janela do ônibus a constante presença de carroças carregando material de reciclagem pela cidade de Maceió. Não eram só carroças cheias de material, eram homens, mulheres, famílias inteiras puxando em seus braços suas carroças em meio ao trânsito caótico da capital alagoana.

- Essa imagem me deixa inquieto – dizia sempre que o encontro ocorria.
Bairro do Pinheiro, Maceió - AL
 Abril de 2014.

Vale destacar que além da força visual que a presença das carroças na cidade provocavam/provocam em mim, existe ainda a questão da sustentabilidade, porque é de lá que famílias tiram seu sustento, preservam o meio ambiente recolhendo o “lixo” produzido pela população da cidade e direcionando para instituições que recolhem e reciclam.
Mas a história da carroça não começa para mim em Maceió.
É em Viçosa - AL que encontro as primeiras carroças da minha vida. Sou filho de vendedor ambulante e durante muitos anos saiamos pelas ruas da cidade puxando nossa carroça com material para venda. Em Viçosa carroças estão espalhadas pelas ruas, enchem a feira no dia de sábado e  é nelas que homens e mulheres levam suas compras e materiais para venda.
Ao morar no sertão alagoano nos anos de 2000 e 2001 tive contato com um tipo diferente de carroça, os chamados “carros de bois” passando pelas ruas logo cedo com túneis de água acordando a gente com o ranger de suas rodas. Nunca esqueci o som das rodas e das carinhas tristes dos bois.
Em 2010, já estudando Teatro Licenciatura, mas ainda “morando” em Viçosa, sou convidado a participar do espetáculo de rua “A Merca do Rei” de autoria de Nathaly Pereira e Geuves Correia com a direção do professor José Aciolli Filho. Meu personagem andava no cortejo puxando um carrinho muito usado pelos vendedores de CD no centro de Maceió.
Em 2013 voltando do intercâmbio me vejo precisando de um reencontro com esse lugar e é a carroça que me conecta com o passado e o presente. É símbolo de deslocamento num ritmo muitas vezes contrário a correria da capital. Quando puxo a carroça da minha vida me desloco dentro do meu ritmo num espaço coletivo muitas vezes atropelado pela correria.
Para o teatro a carroça é símbolo de artistas mambembes, feiras, Commedia dell ‘ Arte no século XV quando saiam por muitos lugares para realizar seu oficio fazendo de suas carroças suas casas e/ou palcos improvisados. Carroça sempre esteve no teatro, seja no passado ou mais recentemente com o espetáculo “Brincante” de Antonio Nóbrega em São Paulo.
Em conversa com os catadores fui entendendo ao longo do processo o lugar da carroça dentro do espetáculo e uma coisa já me permito dizer: o espetáculo "Volante" tem um personagem que com sua carroça atravessa lugares, medos e memórias.
Para terminar um poeminha do lindo Mário Quintana que se permitiu "carroçar" pela poesia da vida, porque carroça é poesia no meio da fumaça cinzenta. 

 "Eu conduzo minha poesia como um burro-sem-rabo
Nesta minha Porto Alegre de incríveis subidas e descidas.
Suo como o Diabo
E desconfio
Que os meus melhores poemas terão caído pelo caminho…
Mas como saber quais são?!
Alguém por acaso os pegará do chão
E vai ficar pensando que o espantoso achado
Pertence a ele… unicamente a ele!"



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14 julho 2014

Pelas ruas da cidade


Sempre gostei de escrever. 
Escrever por aventura, ousadia ou necessidade de organizar alguma coisa interiormente. Pode parecer uma coisa muito clichê dizer tudo isso, mas dessa vez assumo meu lado clichê que durante muito tempo se manifestou também na escrita.
Se tem uma coisa que sinto vergonha é mostrar a alguém as coisas que escrevo e de repente quando vou ver numa atitude “ousadamente” medrosa, me vejo pedindo para alguém dar uma lida e me trazer um retorno.

Comecei o exercício da escrita ainda em Viçosa, cidade que nasci e descobri minha paixão pelo teatro com o professor Ronaldo Aureliano e a querida Roberta Aureliano, desde então escrevo, escrevo, rasgo, escondo, leio, perco, encontro e vou aventurando nesse exercício gostoso e até doloroso.
Praça Gonçalves Ledo, Maceió - AL.
Abril de 2014.

Tudo bem! Chegou um tempo, e esse tempo é agora, que em pleno fim de curso de Teatro Licenciatura na Universidade Federal de Alagoas – UFAL, eu me via sem saber para onde ir, fruto de um processo avassalador de intercâmbio no exterior que mudou minha vida e visão de mundo profundamente.
Quando eu ainda estava na cidade do Porto em Portugal no início de Julho de 2013 fui convidado por meu amigo Leandro Silva para imergir numa pesquisa, quase investigação policial, da biografia , da vida verdadeira e negada por jornais de uma pessoa para construção de um espetáculo teatral que correspondesse a vida e a voz daquela pessoa que havia sofrido uma trágica injustiça. Essa experiência ainda está em processo, era o começo da vivência em um processo colaborativo, mesmo em pontos distantes geograficamente falando. A previsão é que essa gestação possa fazer nascer em breve o espetáculo e para isso envolve pessoas de Porto – PT, Ceará, Alagoas e Rio Grande do Sul, mas foi ali o grande começo pelo resignificar, o transformar dados ou palavras do coração em texto e experiência teatral.
No 7º período da graduação, nesse primeiro semestre de 2014, participei da disciplina Montagem Cênica com o professor Marcelo Gianini que me apresentou na prática o Processo Colaborativo na construção da Dramaturgia Teatral, desde então, me apaixonei pela construção dramatúrgica que nasce do deixar-se afetar pelas coisas, que vem do afeto pela vida e pelas pessoas.
O espetáculo Volante que está em processo de construção é fruto dessa observação do cotidiano, do deixar-se afetar pelas coisas, de olhar mais de perto cada uma delas e resignificá-las na dramaturgia teatral.
O Coletivo Volante não tem um lugar. Caminha em direção ao coração e quer tocar na sensibilidade humana, quer espalhar poesia. Cabe todo mundo. É um espaço que começo assumir como necessidade de estudar a dramaturgia dos afetos e do que se afeta de forma compartilhada,  vivenciando experiências que contribuam com a autonomia do ser humano e faça do ator/atriz/atuador, construtor e compositor de sua caminhada teatral.



Bruno Alves da Silva