07 outubro 2014

A primeira vez que vi "volante"...


Era um estranho dia chuvoso do mês de outubro de 2014, ressaca de período eleitoral e eu não sabia o que fazer para transportar o cenário do espetáculo para o local de ensaio na praça Sinimbu. Era a primeira vez que eu ensaiaria com o elemento cênico que foi ponto de partida para a construção do espetáculo Volante.
Quando cheguei na praça tinha parado de chover, mas ficava sempre um céu ameaçando um temporal. Montei o cenário, montei a carroça e comecei a descobri-la no movimento, no corpo, no espaço. Era emocionante olhar para ela, era ver materializado o que antes era apenas um desejo.
Passavam pessoas na praça, olhavam com estranheza um homem a dar "pinotes" com uma carroça. Josué se sentou próximo ao local do ensaio, acendeu seu cigarro, tirou a mochila das costas e ficou observando meus erros e acertos ao longo do processo. Tinha sempre um olhar tão imparcial, mas as vezes parecia querer responder as perguntas do personagem.
Terminei o ensaio. Sentei ao lado de Josué e perguntei seu nome,puxei assunto, quis saber o que tinha achado, fui logo me desculpando e explicando para ele que se tratava de um ensaio, que errar fazia parte para chegar num acerto. Ele me falou palavras bonitas. O pouco que ele escutou trouxe para fora lembranças de memórias vividas. Quis saber de Josué onde ele morava, ele quis mudar de assunto e disse apenas que vinha de um lugar como o do personagem, "essa história que você fala é quase a minha história". Fiquei em silêncio e absorvido pela sensibilidade de suas palavras, era a primeira vez que eu ia para a praça, a primeira vez que eu ensaiava com a carroça, era a primeira vez que eu via Josué.
Falou-me dos estados que passou, dos seus três meses em Maceió, de como gostava do mar, das tristezas, dos dias que se sentia sozinho, de Deus, do seu analfabetismo, dos seus 28 anos de aprendizado com a experiência que só a vida pode trazer, falou- me do seu estado de origem Pernambuco, e do tempo que vive longe de casa...
Uma passagem para o infinito.
Fotografia: Nivaldo Vasconcelos.

Não faço ideia da história da vida de Josué antes de sua partida pelo mundo, mas imagino o quanto  ele aprendeu nesses últimos anos em que tornou-se volante na vida.
 Agradeceu-me pelas palavras ditas pelo personagem, ficou ainda mais feliz em saber que era a primeira pessoa a assistir meu ensaio com a carroça. Mal sabia ele que grato estava eu pelo aprendizado, pelos seus olhos atentos, pelo seu exemplo de despojamento e entrega. Mal sabia ele que receber seu sorriso foi uma forma de me sentir fortalecido e certo do desejo de estar perto das pessoas que tem tanto a dizer, tanto a ensinar. Mal sabia ele que era como um sinal aquele encontro, aquele momento vivido debaixo de uma árvore no meio de uma praça, no meio de um mundo ameaçado por uma tempestade.
Josué não tem carroça, carrega uma mochila nas costas com suas histórias, sua casa, sua alma, sua vida...
Trocamos um aperto de mão na despedida. Ficou no peito a certeza que a gente se encontraria em alguma praça, alguma rua, alguma esquina de qualquer lugar nessa vida.


Bruno Alves da Silva

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