18 novembro 2014

Se avexe não

A primeira vez que ensaiei com a carroça, inicialmente pensada, levei um susto, porque era outro espetáculo que eu descobria. Aquele corpo falante precisava agora descobrir uma nova forma de se comportar num espaço quadrado. Um corpo mal comportado num espaço “ilimitado” de desejo.
Foi uma forma diferente de observar a construção feita ao longo dos meses.
“É um corpo de velho?”,  “É uma voz diferente?” me perguntava o Vitor.
Não, não é! Volante usa tudo de mim. É a minha voz e o meu corpo descompensado trombando em palavras que se espalham e explodem no ar como bolhas de sabão.
Eu estou querendo dizer. 
Fotografia de Nivaldo Vasconcelos

São quase oito meses de gestação e com nove a gente sabe que nasce a criança, mas não dá para ter pressa, não pode ser prematuro. “A pressa é inimiga da perfeição” eu pensava quando saia da Loja das Bugigangas, local que construi a carroça, pensando e entendendo que esse ditado é velho e certeiro. Na minha pressa e necessidade de ter a carroça eu errei. Tive uma carroça que na prática tornou-se inviável.
“Isso não parece uma carroça, parece um quadrado” dizia o Felipe de Alencar.
O meu quadrado/carroça, a minha carroça quadrada era a minha forma quadrada, enquadrada de ver o mundo naquele momento.
Sem pressa! “Se avexe não! Amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada!” diz a canção.
“É que gestação não é um momento totalmente feliz. Embora a grávida esteja feliz, ela tem os olhos tristes” dizia o Paulo Vitor para me acalmar e me deixar menos ansioso.
Esperar me deixa com olhos tristes de grávida.
Quando nada acontece é terrível. Um dia eu resolvi assumir o volante da minha vida e disse a mim: “Eu vou fazer e usar o que eu tenho”. Eu me digo isso todos os dias, porque tenho medo do aborto e por que nessa vida eu já abortei.
Um amigo me falava de egoísmo há quase um ano. E me dizia que acreditar no que se quer deve ser um ato “egoísta” necessário.
“É como se você adivinhasse o não antes dele chegar”, dizia para mim o Nivaldo, mas é que o “não” esteve tão presente no último ano que quando o “sim” aparece eu desconfio, fico meio “Tomé” querendo colocar o dedo na ferida.
No inicio a sala era fechada nos ensaios e aos poucos com o entendimento do processo a gente foi abrindo para os amigos.
Mas eu precisava nesse processo “Matar o mestre, o pai, a mãe...”, “cortar o cordão umbilical” como me ordenava o querido mestre Ronaldo Aureliano.
“Vai levar tapa na cara da vida” me dizia seu Bolero, um poeta da Viçosa, me ordenando a acreditar e me jogar sem medo.
Felipe e Elton foram as surpresas da minha vida nesse ano de 2014, mas eu preciso contar uma coisa... Eu sempre imaginei estar com o Felipe desde o primeiro dia que pensei nesse espetáculo, mesmo a gente se vendo tão pouco naquele momento. Depois ele me trouxe o Elton que é tão doce e tem um olhar tão sensível que eu fico querendo ouvi-lo falar sempre para aprender a música que ele traz nos olhos.
Essa semana bateu tristeza. O parto se aproxima e tem que ser natural... Não tinha figurino, maquiagem e cenografia.  Eu não sei costurar, mas um dia Lael Correia e Acioli Filho me disseram da necessidade de saber fazer, de tentar e experimentar. Mergulhei nessa lembrança e fui cortando tudo que vi de tecido pela frente e encontrei muita coisa no lixo para o caminho que se revelou para o figurino. Já temos uma concepção do figurino! Tenho também a disponibilidade e boa vontade da Ticiane Simões para me ajudar a finalizar o figurino.
Depois me vem Rayane Wise e embarca nessa carroça com sua concepção de maquiagem que já me faz querer no rosto. Mandei uma mensagem para ela pedindo ajuda, socorro e salvação e ela afetuosamente me atendeu. Encontro com Carlos Alberto Barros que me diz que vai defender o projeto do espetáculo para conseguir pautas no teatro.
Aparece Roberta Aureliano que há dez anos me oferecia a minha primeira experiência com teatro em uma oficina na cidade de Viçosa – AL, desde então, nunca parei de fazer teatro. Roberta sabe da importância desse espetáculo em minha vida, sabe que é o cordão umbilical que seu pai me pedia para cortar, sendo jogado no mar, no rio, na vida que bate no rosto. Ela vai até Edner Careca e pede para mim uma luz. Telefona e cria uma ponte com Paulo Cesar Frazelly que abraça o desafio de cuidar da cenografia.

Ai gente! Eu estou mais calmo, porque na hora certa tudo se encaixa, tudo acontece, inclusive nada. Vou seguir a semana sabendo que a gente sempre pode contar com os amigos, mesmo aqueles que pareciam estar distantes e que teatro se faz com gente.


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