22 fevereiro 2016

Fevereiro na Aldeia Wassu Cocal

Nosso coração vai se dilatando a cada encontro.
Como gosto da palavra encontro.
Gosto também de coração, porque aprendi que dela surge a palavra coragem.

“O caminho do coração é o caminho da coragem.”

Desde maio de 2015 percorremos o caminho do coração quando começamos as idas a Aldeia Wassu Cocal na cidade chamada “Joaquim Gomes” aqui em Alagoas.
Percorrer esse caminho nos aproxima da coragem.
O projeto “AmeriAfroContos Volantes Chamam pra Roda” sabia desde o seu nascimento que não iria por lá ensinar, mas aprender, visto que a oralidade é a grande herança da comunidade. Suas histórias de luta, derrotas e vitórias mantém viva nos olhos de cada morador a esperança de uma vida mais digna e melhor para todos.
Aprendemos o tempo todo por lá. 
Nos erros nossos, nos caminhos vacilantes rodeados de ansiedade, estava no fundo a vontade de se encontrar no meio daquele espaço.
Cada folha caindo no chão era a novidade instaurada no nosso olhar. Foi preciso muitas folhas caírem para começarmos a entender a dança do vento.
Não é fácil ouvir, mais difícil ainda é ouvir quando pouco se fala, ou quando o silêncio se fortalece. Não sei ouvir com outros olhos ainda...
Os caminhos da oficina foram se desencontrando, se reencontrando, se mostrando como deveria ser. Não poderia ser a nossa maneira, por mais que quiséssemos. Deveria ser em outro tempo, um tempo mais generoso e paciente que só tem quem já viu alguma coisa da sua história se perder no meio do caminho.
Perco-me facilmente da minha história. “Conto histórias para não esquecer quem sou”, alguém falou ao professor Toni Edson e eu guardei pra mim como um carrapicho que gruda na roupa. Não quero largar.
Fiquei maior parte do tempo com os pés no chão. Precisava criar resistência na pele, como dizia Wesley Felipe, mas acima de tudo eu preciso criar raiz.
Tomei banho de rio uma vez e usei pouco protetor solar. Queria ter medo de nada por algum momento, tampouco do sol.
A “última” imersão do cronograma do projeto aconteceu nos dias 19, 20 e 21 de fevereiro. 
A oficina aconteceu na Comunidade da Pedrinha. Um público misto de crianças, adolescentes e adultos. Alguns já continuavam a oficina desde os primeiros meses, outros chegavam pela primeira vez. Foi assim, uma variação de participantes durante todo o período, porém isso nunca foi problema, pois quem chegava deixava um pouco de si quando partia.
Tivemos muitos avanços do encontro de dezembro para esse. Fizemos jogos e momentos em que os jovens eram convidados a contar histórias, a montar imagens com as suas histórias e principalmente se permitir transmitir o que aprendeu ao longo da vivencia na Aldeia. As histórias estão inseridas na formação de cada um. 
No começo da noite apresentamos o “Cocar de Histórias” para os participantes da oficina na Escola Indígena Manoel Honório da Silva. 
Quando nos arrumávamos escutávamos no terreiro as crianças cantando as cantigas da oficina e fazendo entre elas os jogos que havíamos feito. Esse momento foi emocionante, porque percebíamos que ficava um pouco da nossa passagem naquele lugar.
Por volta das 20h teve inicio no terreiro da escola uma roda de Toré. Um dos momentos mais esperados por todos nós, onde numa única roda nos encontraríamos e selaríamos aquele momento. 
No domingo, 21, fomos visitar o índio Kíndio. Um senhor sorridente e amoroso com seus mais de oitenta anos de histórias pra contar. Uma manhã regada a risos, lágrimas, profecias de coisas boas e garrafada de ervas que o próprio faz há muito tempo. Como esquecer e não ser feliz ao lembrar o sorriso de “Seu Kindio”?
Foram oito meses vivendo esses momentos na Aldeia Wassu Cocal. Nesse período de projeto foram seis encontros mensais, entre duas visitas com as lideranças para apresentar e prôpor o projeto e quatro encontros de imersão com oficinas de teatro. 
Parece que quando a gente está pegando o ritmo, ou entendo o ritmo da coisa, a vida vem pra nos pedir uma pausa, aliás, é a burocracia que nos freia, a vida nos liberta.
O projeto chegou ao fim desse primeiro momento. Cumpriu o cronograma do Programa de Iniciação Artística da UFAL. Os desejos de continuidade permanecem em nosso peito. Ainda há muito que aprender!
As rodas de contação “Cocar de Histórias” continuarão a acontecer futuramente. A Aldeia começa aos poucos a acontecer dentro de nós. Agora é preciso mais silêncio no corpo todo para ouvir o que a experiência tem a dizer. Agora é a hora de lembrar com saudades de todos os momentos vividos e torcer para que no tempo certo aconteça o retorno. Sim! Queremos voltar.
Aqui fica o agradecimento ao Cacique Jeová por abrir os caminhos para que pudéssemos vivenciar todos esses dias. 
A dona Rosineide e Seu Gunga que nos acolheram durante esse tempo em sua casa com suas netas Yasanã e Yaponira.
Aos jovens e crianças da aldeia que tanto nos ensinaram. Aos mais velhos que nos ensinam sempre.
Ao professor Toni Edson por toda paciência e generosidade em acolher a nós impulsionando as descobertas no caminho.
Aos contadores (Rayane, Rozebel, Tamires, Wesley, Selma e Cleci) que juntos construíram esse caminho que continuamos a percorrer e descobrir.
Um abraço,
Bruno


 O projeto “AMERIAFROCONTOS VOLANTES CHAMAM PRA RODA: A ORALIDADE DE QUEM DOMINA PELA VONTADE DE APRENDER DE QUEM RESPEITA” foi aprovado pelo Programa de Iniciação Artística - PROINART da UFAL e tem a coordenação do Professor Toni Edson.


Registro da Vivência:




Professor Toni Edson 




Encontro com seu Kindio






2 comentários:

  1. Um lindo texto jovem, fez-me chorar de novo, sou muito grato pela parceria e a proposta que me fizeram, muito obrigado, agradecido demais, e vamos voltar, "pois cá dentro é tão lá fora que revive um velho tom...

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    1. Professor Toni Tens a ternura e generosidade que só os mestres carregam na alma!

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