19 março 2016

como nascem as histórias - "Volante" um ano da estreia

   Não sei como uma experiência física em meu corpo o que é uma gravidez, mas posso imaginar e me inspirar nesse processo humano bonito para entender o caminho que trilho para entender o teatro que busco.
   Hoje, 19 de março de 2016, é aniversário de um ano do espetáculo “Volante”, mas o caminho que antecede é a minha gestação desse que eu chamo de filho e début dessa jornada de risco e travessia vem muito antes.

Encontros. Abril/2014. Foto Nivaldo Vasconcelos

   O “começo” é em agosto de 2013 quando retorno do intercâmbio em Portugal, mas as aspas da palavra começo existem por que agosto é só continuidade do que já estava na experiência da vida.
   Voltar para casa é sempre um momento de reencontro e de se perder, pelo menos no meu caso, afinal é difícil passar por uma experiência sem se deixar modificar. Na volta eu tinha apenas a vontade de começar a trilhar um caminho que poderia chamar de meu e de quem fosse encontrando pelo caminho. E no começo a vida oferece mais “nãos” do que sim, porque parece querer testar a nossa vontade.

Primeiro ensaio de Material Gráfico. Por Nivaldo Vasconcelos, 2014

   Voltar a Maceió foi também uma busca por entender esse espaço dentro de mim e tê-lo como um lugar que escolhi para viver. Sou mais acostumado a vida na cidade do interior, vivi mais tempo no interior até a minha idade presente, não sou acostumado com esse ritmo de vida, mas já não sou acostumado com o ritmo da cidade que nasci. Eu tento descobrir o meu ritmo dentro desse espaço, porque não posso me acostumar e me educar a andar como ele me pede. Eu lembro de um texto do Paulo Freire quando ele dizia que “a cidade enquanto educadora pode também ser educada” e eu carrego para mim isso e não abro mão, pelo menos por hoje, afinal nesses vinte e poucos anos o que mais fiz foi abrir mão de coisas, opiniões, medos, certezas e inseguranças, isso eu acho ótimo.
   Mas eu falava da cidade por que quando voltei precisava me encontrar nesse lugar, me identificar com o espaço para poder viver minimamente tranquilo. Daí nessa paquera e transa maluca eu vou encontrando junto aos carroceiros recicladores, vendedores que usam carroças e no centro da cidade um espaço que me liga a algum lugar que me faz bem. Na realidade eu estava procurando a minha cidade aqui nesse lugar, porém ao não encontrar, porque ela já não existe (existe na lembrança dos meus afetos) eu resolvi inventar ela dentro de mim. Engravido.

Ensaio Aberto no I Encontro de Palhaços Cadê Meu Nariz?! do Grupo Clowns de Quinta.
Novembro de 2014. Foto de Nivaldo Vasconcelos.

   Janeiro de 2014 começo o treinamento. Vou juntando num caderno uma lista de exercícios acumulados de oficinas, aulas e encontros que tive. Começo a praticá-los com hora, dias e espaços marcados toda semana. É o meu Pré-natal.

Ensaio Aberto no I Encontro de Palhaços Cadê Meu Nariz?!
 do Grupo Clowns de Quinta.
Novembro de 2014
Foto de Nivaldo Vasconcelos
   Não tinha nome esse filho, nem sexo, nem história de vida ainda... Trazia comigo como receita poemas, textos,filmes, músicas e imagens que iriam me guiar ao longo da formação desse novo corpo. Meses depois , possivelmente em junho de 2014, Nivaldo Vasconcelos foi quem batizou. Pronto era esse o nome que procurava. Volante! Que se move, que se desloca facilmente, que se lança...
   Encontro Felipe de Alencar e Elton Nascimento e eles assumem comigo essa maternidade/paternidade e começamos em março os ensaios com música, leitura de textos, troca de impressões sobre o que queríamos contar. E nesse percurso o texto vai surgindo, ou pelo menos uma ultrassom que nos indicaria como se desenvolvia esse fruto do nosso encontro.

Apresentação em Praça no Bairro do Joaquim Leão.
Presença de estudantes da E.E.Edson dos Santos Bernardes.
Maio 2015. Foto Nivaldo Vasconcelos

   A primeira vez que o mote do texto surgiu foi quando andando de ônibus pela Brejal um monte de gente subia por trás do ônibus com sacos cheios de coisa de feira. Duas senhoras, com idade próxima dos cinquenta anos, conversavam no banco que ficava a minha frente suas aflições uma para outra. Um sol quente, o rosto suado de carregar o peso das compras... Desculpem-me, mas meu ouvido é muito intrometido e gosta de ouvir histórias mesmo sem ser convidado e em praças e ônibus essas experiências acontecem involuntariamente, as vezes quando me pego estou querendo dar uma opinião, mas me contenho. E no meio de conversas sobre os problemas pessoais uma olhou para outra e disse “Mas não desanime não! A gente tem que ser feliz, esquecer essas coisas ruins. A gente tá aqui pra ser feliz”. Pronto! Era a busca pela felicidade que me ligava as duas e a todas as pessoas que de alguma maneira esperam por esse momento de felicidade na vida.

E.E.Edson dos Santos Bernardes. Maio 2015. Foto Nivaldo Vasconcelos
   Comecei a escrever o texto. Levava cenas para ensaiar, os meninos me traziam ideias, músicas para inspirar e construíam a trilha que iria ninar os primeiros sonhos.
   Houveram incômodos nesse processo de criação. Haviam dias de inquietação e ansiedade, mas não havia desânimo.
   Foi um processo de ator e músico. Não escolhemos diretor, porque eu queria poder construir as coisas e perceber como se daria o meu espaço de criação nesse processo. Aos poucos fui convidando amigos e amigas que se dispuseram a dar todo apoio. Vamos chamá-los de padrinhos e madrinhas. Nathaly Pereira assumiu com amor e afeto a missão de provocadora. Assistia aos ensaios e me provocava em questões que a incomodavam. Rayane começa a desenhar a maquiagem e propor caminhos. Nivaldo Vasconcelos começa a fotografar, construir propostas de divulgação e em casa juntos faziam o "enxoval", digo figurino, pois eram materiais de doações de amigos, fizemos campanha para recolher coisas, outras coisas vinham do lixo mesmo quando alguma loja jogava algum material ou quando um vizinho se desfazia de alguma coisa que dialogaria nesse processo. Muitas vezes eu trazia as coisas da rua para casa e ainda não sabia o que iria fazer, mas na minha cabeça o que vinha era “isso pode servir no futuro” e pegava. A área de serviço do prédio começava a ficar cheia de coisa e eu tinha que acelerar esse processo para não incomodar os vizinhos.

Apresentação E.E. Maria José Loureiro. Maio/2015. Foto Jocyani Carvalho

   Nascia dentro de casa o figurino, o primeiro, cheio de fragilidades talvez, mas da maneira que conseguimos dentro da nossa possibilidade do momento.
   A estreia aconteceu em 19 de março de 2015. A ansiedade que antecede posso dizer que foi muito boa, porque eu queria ver. Queria mostrar pras pessoas. Queria colocar no mundo de uma vez. O parto dói. Ouço isso deste criança, mas o nascimento é a sensação mais gratificante, dizem as mães.
Nasceu.

Praça Sinimbú. Maio/2015. Foto Romário Steven

   Pós-estreia vem uma espécie de depressão. Começo a não gostar, começo a questionar, começo aprender a amar. Amor é construção. Estava no mundo e agora era minha hora de ensiná-lo a andar, a pegar as coisas, a morder, a falar com propriedade.
   Nesse percurso surge Karina May e o Solar Laboratório de Meditação que me ajudou a respirar. A entender da energia depositada e isso me ajudou imensamente. Como sou grato.
   A partir desse período começo a circular. Vou em praça, vou em escola, em pátios, em quadras... Vou com ele a qualquer lugar. Bato na porta dos amigos, peço espaço e vou seguindo.
   Os meninos da música precisam se afastar por questões de agenda em outros projetos. Tudo bem. Vou seguindo e nos encontramos mais adiante.
   Ufa! Já fez um ano! Um bebê que começa a dar seus primeiros passos em busca de um equilíbrio.

   Sinto-me feliz por vê-lo seguindo e digo a você o quanto aprendi nessa jornada.
   Essa semana uma atriz me perguntou qual a sensação de apresentar uma mesma peça muitas vezes. Eu disse que é de constante aprendizado e entendimento. “Volante” ainda tem muito caminho e eu disse a mim mesmo que não iria fazer uma peça para me despedir rápido dela. Quero ir descobrindo dentro dessa o máximo de possibilidades que ela me der. Quanto mais a gente mexe numa mesma coisa mais a gente descobre novas coisas e ver que tem muito mais a se aprender, a Tiche Viana falou algo assim.
   Pois bem! Agora eu vou seguindo. Tem muito caminho pela frente. Tem muita coisa pra se remexer dentro dessa história. Um ano depois o que eu mais sinto é gratidão a tudo e a todxs. Certeza e respostas eu não tenho, graças aos deuses! Mas tenho vontades, fragilidades, inseguranças e perguntas e isso vai me guiando e fortalecendo.

   Evoé!

Bruno Alves

2 comentários:

  1. Vida longa ao trabalho. Que Volante ande em todos os espaços ainda nem imaginados.
    Grande beijo!

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