22 novembro 2016

Crítica: “Eu vejo a lua” – Um ator invisível em Volante

Por Gessyca Santos

Atrevo-me a começar de trás para frente, porque fiquei pelo avesso quando o assisti. E é dessa sensação que irei falar sem preocupação em expressar neste início de texto alguns aspectos informativos a respeito do espetáculo teatral Volante. Antes disso, escolho o vazio onde tudo acontece, onde a amplitude do espaço e tempo não nos deixa reduzidos ao real, mas nos engrandece nas irrealidades que nos fazem reais.

Foto de Nivaldo Vasconcelos

O começo era o fim e o fim era o começo. Aquela imagem sedimentou em mim. Era um rapaz de braços abertos, apoiados numa estaca de madeira que estava deitada sobre suas costas e enfeitada de fitas vermelhas. Ele vestia uma roupa com cor de tempo, desgastada e um pouco rasgada devido às suas aventuras de andarilho. Nele também existia um cheiro de mar e o vi transitar de água a passarinho num estalar de dedos. Pensei: Para realizar tal manobra, só com ajuda divina! Talvez por isso ele estivesse fazendo uma reza que tinha velocidade de furacão e temperatura de vulcão.
Com esse fragmento de uma existência efêmera, introduzo esta crítica que aborda o espetáculo Volante interpretado pelo ator Bruno Alves do Coletivo Volante, Maceió – AL, apresentado no dia 09 de março de 2016, às 20h, no Teatro Jofre Soares, integrando a programação da 19ª edição do Palco Giratório na etapa estadual do Sesc- AL. Direciono o meu olhar à força do imaginário em “Volante”, a qual tratarei também como caminho para a construção do que seria um “ator invisível”.
Com uma dramaturgia rica em detalhes, lugares e seres diversos, o espetáculo Volante aposta na simplicidade para nos fazer enxergar o invisível. Com o palco quase “vazio”, pude ver monstros, pássaros, mar, carroça, centauro, barco, janela... E tantas outras imagens. Pareciam mais concretas do que, talvez fossem, se estivessem reduzidas a elementos de cena que tentassem traduzi-las ou representá-las em sua complexidade. Pontuarei três signos que se metamorfoseiam durante o espetáculo, para desenvolver esta crítica, considerando o último pouco explorado em suas possibilidades de uso: composição cenográfica/adereço Caetana, tecido azul e bastão com fitas.
O que se vê ao centro do palco é o que considero uma composição cenográfica, composta por um espelho em formato oval, rodeado de flores, apoiado na parte superior de um apoio em vertical (bastão) coberto por um tecido fino, nos dando a sensação de tratar-se de uma figura feminina. Adiante, essa mesma estrutura é utilizada como um adereço, onde o ator utiliza-o a seu serviço, construindo uma espécie de mascaramento, uma vez que veste o espelho sobre sua face e se camufla entre os tecidos, nos trazendo a imagem da morte Caetana. Aqui, o ator some, não por estar camuflado, mas por se fazer invisível ao assumir outra qualidade de energia, movimento e voz, a meu ver, provocadas pelo mascaramento.
Uma rede de tecidos ligados um ao outro através de nós, de cor azul/ciano, vestia o corpo do ator para nos trazer a imagem do mar. Chamo atenção para um fator: Não era a representação do mar distanciada do corpo do ator, não se tratava de uma moldura ou um cenário fixo. O ator vestia o mar e aquele elemento utilizado já não era mais uma rede de tecidos, na relação com um corpo que se colocava em prontidão, comprometido com o imaginário, fazendo-se água, não poderíamos ver outra coisa se não o mar. O ator desaparece mais uma vez.
Do início ao fim do espetáculo, o ator utilizou um bastão onde apoiou os braços, logo se construiu a imagem do personagem em espantalho, não havia sequer um passarinho sobre os seus ombros, no entanto vi uma revoada! “O olho é a máscara e a máscara é o corpo” diz Lecoq, em Volante o olhar e o corpo do ator receberam esses pássaros em seus ombros e os viram voar, um corpo inteiro comunica por inteiro, então, neste caso estar utilizando o bastão/vara complementou a ação física, construindo a imagem do espantalho, mas a força estava na presença física do ator. Embora este elemento bastão, tenha sido bem utilizado em alguns momentos, como o citado, percebi ao longo do espetáculo que tal elemento se tornou um apoio, onde ora construía imagens, ora se tornava algo fixo, sem razão de estar ou limitado em suas possibilidades, talvez ele precisasse de mais descanso, deixando o corpo do ator fluir em diálogo com as particularidades de cada situação cênica. Considerar este ponto é abrir mão da imagem fixa de Severino com os braços presos ao bastão/vara.

Finalizo com um fragmento de Yoshi Oida. Em seu livro “O Ator Invisível” ele diz: “No teatro kabuqui, há um gesto que indica “olhar para a lua”, quando o ator aponta o dedo indicador para o céu. Certa vez, um ator, que era muito talentoso, interpretou tal gesto com graça e elegância. O público pensou: “oh, ele fez um belo movimento!” apreciaram [...] a exibição de seu virtuosismo técnico. Um outro ator fez o mesmo gesto; [...] o público [...] simplesmente viu a lua. Eu prefiro este tipo de ator: [...] O ator capaz de se tornar invisível.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário