09 junho 2017

CORRESPONDÊNCIA - por Thiago Fernandes de Amorim



O amor da cidade forjado do corpo; o amor da cidade que o corpo não sustenta. As demandas da cidade.

Fotografia de Nivaldo Vasconcelos


Minha aproximação de atividades teatrais foi uma tentativa de melhor responder à cidade – ter um corpo mais preparado para o que está além dos hábitos cotidianos em que somos engolfados.

- A ideia de um “espetáculo de rua” – assim eu sempre identificava o “Incelença” quando relatava aos amigos minha atividade com reuniões nas quartas à tarde; mais do que isso,

- A ideia de uma construção para a rua e pela rua, como eu sempre imaginei essa produção;

Era uma forma muito apropriada de exercitar a tal preparação do corpo.

A construção coletiva mostrou-se muito mais adequada a minhas ambições do que eu podia esperar:

- As atividades propostas, da descoberta dos enredos que nossos corpos já queriam contar, de formas para abarcar o enredo que descobríamos nas discussões, nas propostas cumulativamente exercitadas;

- Sobretudo a abertura ou boa vontade com que os ânimos e intenções se alinhavam;

Já eram grande feito para todos os participantes, quando... Veio a crise descrita em outro momento deste diário. E, mediante certa apreensão, mais abertura ainda encontramos, mais disposição para ousar.

Entretanto, em seguida, uma acomodação de cena e espaço me fez finalmente pensar em encerrar minha participação. Não haveria mais correspondência para minhas ideias naquilo que se prenunciava, no ímpeto por concluir a obra, ter o que apresentar.

Enquanto eu ensaiava os últimos passos, chegou-nos a última versão do roteiro, totalmente influenciada pela definição do espaço, mais recente etapa da investigação. O primeiro roteiro que me cativou; finalmente um roteiro maduro.

E, quanto a mim, foi exatamente cativação: não se trata mais de eu ainda querer investigar, construir uma mensagem, mas, principalmente, de querer engajar meu corpo numa experiência estética muito digna!

Fotografia de Nivaldo Vasconcelos

Independente de responder à cidade, o corpo responde a si mesmo, nesse esforço de “intencionalidade sem intento[i]”. Por mais que nunca deixe de haver um intento de nossa parte. Eu não abriria discussão sobre estética muito voluntariamente, mas posso dizer que rendi-me a suspender intenções discursivas diante da beleza que nosso roteiro me permite hoje imaginar.

Quanto à resposta à cidade, não digo que a beleza salvará o mundo, mas...

A resposta ao corpo é um começo indispensável a quem queira fazer história.

Thiago Fernandes de Amorim




[i] Para Kant, intencionalidade sem intento (intencionalidade formal) é a forma em que o objeto aparece na representação estética. Seja qual for o objeto (coisa ou flor, animal ou homem), é representado e julgado não em termos de sua utilidade, não de acordo com algum intento ou propósito a que possa talvez servir...” (MARCUSE, p. 221)


REFERÊNCIA
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização: uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Ed. 6. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

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